Friday, December 17, 2004

ARTIGO: em busca de um outro lugar social para a loucura: proposta de intervenção em espaços públicos/coletivos

EM BUSCA DE UM OUTRO LUGAR SOCIAL PARA A LOUCURA: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO CULTURAL NOS ESPAÇOS PÚBLICOS/COLETIVOS


de autoria de ALTIERES EDEMAR FREI
PEDRO IVO DE FREITAS YAHN

Loucura: da “desrazão” à doença mental.

A partir do final do século XVIII, os “loucos” passaram de personagens pictóricos dotados de desrazão e dividindo a cena cotidiana com as demais pessoas, a doentes mentais: figuras periculosas e ameaçadoras à sociedade.
Influenciadas pela teoria de Morel – da loucura como subproduto da degeneração – e os postulados de Pinel sobre a prática asilar medicalizada, surge a psiquiatria moderna, na qual o tratamento da loucura deixa de ser objeto da filantropia para se tornar objeto da medicina.
“A obra de Pinel, estruturada em tecnologias de saber e intervenção sobre a loucura e o hospital cujos pilares estão representados pela constituição da primeira nosografia, pela organização do espaço asilar e pela imposição de uma relação terapêutica (o tratamento moral) -, representa o primeiro e mais importante passo histórico para a medicalização do hospital, transformando-o em instituição médica (e não mais social e filantrópica), e para a apropriação da loucura pelo discurso e prática médicos. Esse percurso marca, a partir da assunção por Pinel da direção de uma instituição pública de beneficência, a primeira reforma da instituição hospitalar, com a fundação da psiquiatria e do hospital psiquiátrico.” (Amarante, 1995; p. 27).


A psiquiatria reformada

O período pós-guerra no século XX foi marcado pelo crescimento econômico e reconstrução social, caracterizado também pelo desenvolvimento de movimentos civis e o aumento da tolerância e sensibilidade para com as diferenças e minorias.
Essas condições possibilitaram a contestação e desejo de transformação das instituições asilares - os manicômicos - e dos saberes psiquiátricos. Surgem através desses questionamentos vários movimentos reformadores, ora representando as reformas restritas ao âmbito asilar (como é o caso da psicoterapia institucional e as comunidades terapêuticas), ora representando um nível de superação das reformas somente referidas ao espaço asilar, como a psiquiatria de setor, e a psiquiatria preventiva. E por fim o movimento da anti-psiquiatria e da psiquiatria democrática italiana, que radicalizam ao romper com os outros movimentos, colocando em questão o próprio dispositivo médico psiquiátrico e as instituições e dispositivos terapêuticos a ele relacionados.

A psiquiatria reformada no Brasil

O Brasil, ao longo do século XX, contou com inúmeras experiências pontuais, localizadas e efêmeras de reformas da assistência psiquiátrica. Foi no final dos anos 70 que surge o movimento da reforma psiquiátrica. Diante de um contexto histórico marcado pela retomada dos movimentos sociais, que estavam calados pelo regime ditatorial vigente, porém decadente, o debate sobre a assistência psiquiátrica ganhou domínio público. O movimento da reforma psiquiátrica junto com inúmeros outros movimentos contra-hegemônicos compunha uma rede cujos princípios eram a redemocratização e a anistia ampla, geral e irrestrita.
Nos anos 80 manteve-se a preocupação em sintonizar o movimento da reforma psiquiátrica com o contexto histórico, articulando-se com outros setores sociais afim de ampliar a discussão e promover ações. Segundo Yasui, “a luta pela transformação da saúde mental passou, portanto, para uma luta maior pela transformação da saúde e da sociedade” (Yasui, 1999).
Foi uma década intensa, marcada pelo encantamento pelos movimentos da reforma sanitária e do movimento pela reforma psiquiátrica. A eleição de governos populares democráticos por eleições diretas, em São Paulo, tanto no âmbito estadual[1] , como no municipal[2], propiciaram ações instituintes no campo da saúde mental e da saúde como um todo. Também marcaram os anos 80 as realizações de inúmeros encontros, plenárias, congressos de profissionais que atuavam nos serviços de assistência psiquiátrica (de onde foram tiradas várias propostas), a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), e a incorporação de setores da própria população (usuários e familiares) na construção de um projeto comum.
Durante todos esses anos de luta pela transformação do modelo assistencial hegemônico, surgem questões e desafios que apontam para a necessidade de formulação de um novo paradigma psiquiátrico.Segundo Amarante (2003) este processo de ampla transformação aconteceria em quatro dimensões:
A primeira dimensão refere-se ao campo epistemológico ou teórico-conceitual: desconstrução, reconstrução dos conceitos mais fundamentais do campo da ciência(ciência como produção de Verdade e neutralidade científica) e da psiquiatria (doença mental, alienação, isolamento, terapêutica, cura, saúde mental, normalidade, anormalidade).Está inserida no âmbito da produção epistêmica, isto é, diz respeito do saber e de como este condiciona o olhar que, conseqüentemente, constrói formas diversas(conforme a dimensão) de apreensão e relação com a realidade.
A segunda dimensão está relacionada ao campo técnico-assistencial.Nesta dimensão “emerge a questão de qual modelo assistencial é possibilitado por uma teoria que considere a loucura uma incapacidade da Razão e do Juízo. Assim, não é de se estranhar que o modelo assistencial psiquiátrico seja calcado na tutela, na custódia, na disciplina, na vigilância.’’(Amarante, 2003; p51).Então ao transformar o olhar e a maneira de apreender os acontecimentos da realidade, transforma-se também o modo de agir frente a estes acontecimentos. Por exemplo: ao colocarmos a doença entre parênteses, e não o sujeito entre parênteses para estudar a doença, muda-se o olhar e a maneira de problematizar a realidade, pois surge uma nova realidade, marcada pela subjetividade que passa a vir à frente da doença. A questão da saúde deixa de ser meramente médica(mentosa) “para tornar-se um ocupar-se cotidianamente do tempo, do espaço, do trabalho, do lazer, do ócio, do prazer, do sair, fazer alguma coisa, construir um projeto, uma atividade, organizar uma atividade conjunta, etc. Em outras palavras, trata-se de construir possibilidades materiais para os sujeitos. (Amarante,1999; p. 52)
A terceira dimensão refere-se ao campo jurídico-político, “repleto de aspectos fundamentais decorrentes, dentre outros, pelo fato da psiquiatria ter instituído uma série de noções que relacionam loucura à periculosidade, irracionalidade, incapacidade e irresponsabilidade civil. Na dimensão que denominamos jurídico-política importa rediscutir as relações sociais e civis em termos de cidadania, de direitos humanos e sociais.”(Amarante,2003; p52)
A quarta dimensão é denominada sociocultural e que reflete a aspiração primeira do processo de reforma psiquiátrica: a transformação do lugar social da loucura. “Assim o aspecto estratégico desta dimensão diz respeito ao conjunto de ações que visam transformar a concepção da loucura no imaginário social, transformando as relações entre sociedade e loucura.” (Amarante, 2003; p53)

O CAPS ontem: uma força instituinte.

A inauguração em 1987 do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Prof. Luiz da Rocha Cerqueira foi um marco referencial no que se refere à luta em consolidar um espaço instituinte[3] que venha a inaugurar um novo paradigma em assistência a saúde mental promovendo mudanças nos campos acima referidos.
Nasce com a proposta de criar uma rede de espaços intermediários de assistência, ensino e pesquisa entre o hospital psiquiátrico e a sociedade, caracterizando-se como uma estrutura de passagem, na qual os usuários com intenso sofrimento psíquico permaneceriam até terem condições clínicas estáveis para continuar o tratamento nos ambulatórios.
Segundo Luzio, “O CAPS têm como proposta clínica a prática centrada na vida diária da instituição, de modo a permitir o estabelecimento de rede de sociabilidade capaz de fazer emergir a instancia terapêutica. Busca-se, portanto, a criação de espaços coletivos, de espaços concretos destinados à circulação da fala e da escuta, da experiência, da expressão, do fazer concreto e da troca, do desvendamento de sentidos, da elaboração e da tomada de decisão.” (Luzio, 2003; p. 84) . Esta proposta clínica rompe com o modelo que têm a doença como erro, distúrbio cujo tratamento seria a pura remissão de sintomas, através de práticas morais, mecanicistas, homogeneizadoras e burocratizadas

O CAPS hoje: o desafio do refluxo do instituído.

Essa experiência inovadora, junto com outras citadas anteriormente, consolidaram-se e foram criadas oficialmente a partir da portaria GM 224/92 onde eram definidas como “unidades de saúde locais/ regionalizadas que contam com uma população adscrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional”.
O CAPS e outros serviços substitutivos são hoje regularizados pela portaria n º 336 GM, de 19 de fevereiro de 2002, que amplia o funcionamento e a complexidade do CAPS, integrando-o ao SUS.
Consolidado o CAPS como um serviço substitutivo, podemos afirmar que hoje vivemos numa sociedade sem manicômios?
Não.
Primeiramente porque, apesar da experiência do CAPS se alastrar constantemente pelo território brasileiro, ainda existem muitos manicômios funcionando na mesma lógica excludente e cronificadora , com uma violência esmagadora de corpos e singularidades.
E segundo porque manicômio não se caracteriza apenas como espaço físico. Para Lopes é necessário ampliar o conceito manicomial “como expressão de anulação das subjetividades, que segrega, aliena e promove a morte dos indivíduos, mesmo em vida, atributo não mais exclusivo dos hospitais psiquiátricos” (Lopes, 1999;)
Amarante também amplia o conceito de manicômio ao afirmar que “manicômio é sinônimo de um certo olhar, de um certo conceito, de um certo gesto que classifica desclassificando, que inclui excluindo, que nomeia desmerecendo, que vê sem olhar” (Amarante, 1999; p. 49).
Podemos concluir que a criação e a consolidação do CAPS foi um importantíssimo passo numa luta por uma sociedade sem manicômios, pois foi a constituição de um espaço alternativo aos espaços asilares que existiam até então como única possibilidade de assistência em saúde mental.
Mas, passados quase 18 anos da abertura do primeiro CAPS, cabe refletir sobre os riscos que essa experiência corre caso não pense constantemente nas suas práticas e nos perigos do refluxo do instituído, ao passar de iniciativa instituinte para aparelho de saúde pública com todos os seus procedimentos e burocracias.
Neste embate de forças, muitos CAPS já foram capturados, caindo na inércia do instituído, enquanto outros, através do exercício do pensamento sobre sua prática cotidiana, conseguiram dar novos passos em um processo de “troca de pele” contínuo e porosa, em um movimento de institucionalização/desinstitucionalização[4] constante.

CAPS/Assis: entre o perigo da inércia e o sabor da novidade.

O Caps de Assis foi oficialmente inaugurado no dia 25 de março de 2003.
Porém há tempos oferecia, como CIAPS (Centro Integrado de Atenção Psicossocial), serviço de assistência em saúde mental extra-hospitalar, aos moldes de um Caps. Já possuía um espaço próprio com um consultório para atividades individuais, sala para atividades grupais, espaço de convivência, oficinas oferecidas pelos estagiários de psicologia do curso da Unesp/Assis, refeitório, sanitários e área externa para atividades diversas.
Desenvolvemos juntos durante o ano de 2003, como estagiários, a Oficina de Expressão Sonora, que acontecia semanalmente às sextas no período da tarde.
Esta vivência junto aos usuários e a instituição Caps nos trouxe uma experiência prática que transcendeu aos livros e artigos que líamos sobre reforma psiquiátrica, anti-psiquiatria e luta anti-manicomial. Estávamos diante de uma experiência dita inovadora e anti-manicomial sem maquiagens.
Pudemos observar o quanto o Caps é importante para os usuários que lá freqüentam. Em tempos passados o sofrimento psíquico dessas pessoas, que hoje tem no Caps uma referência de cuidado integral e diário, tinha como único destino os hospitais psiquiátricos. Nele viviam em regime fechado, segregados da vida social.
Se nos manicômios eles tinham suas subjetividades desprezadas, no Caps, principalmente através das oficinas, puderam ter contato com outras formas de subjetivação, que abriram e abrem outras possibilidades existenciais. Não são apenas loucos, mas atores sociais, desenvolvendo suas potencialidades e experimentando outros papéis: pintores, poetas, escritores, músicos, compositores, ativistas políticos, etc.
Concomitantemente iniciava-se a gestão de uma experiência também inovadora e que buscava incluir os usuários, amigos e familiares na luta por uma sociedade sem manicômios. Nasce, no dia 5 de dezembro de 2002, a PIRASSIS - associação dos usuários, amigos e familiares.
No entanto, paradoxalmente neste mesmo espaço em que havia um ideal e uma ação que desejava criar uma nova prática em relação à assistência em saúde mental, havia também forças que iam totalmente contra este movimento, objetivando manter instituído o jeito manicomial de lidar com a diferença. Estas forças apareciam na relação de poder que existia entre alguns técnicos administrativos e os usuários, uma relação paternalista/assistencialista e autoritária centrada no poder/saber psiquiátrico, cuja terapêutica centrada era a medicação. E, por último, sentimos as forças do instituído na própria arquitetura do Caps, construído para ser inicialmente um hospital psiquiátrico de grande porte, localizado longe do centro da cidade, em um local cujo trânsito de pessoas se dá quase que exclusivamente pelos freqüentadores e usuários que procuram o serviço do Caps/Ciaps.

Porquê do projeto de intervenção.

Refletindo sobre a história da “medicinalizacão” da loucura, que originou espaços segregários para o tratamento médico desta, fundando os hospícios; sobre a luta, durante todo o século XX, intensificando-se no Brasil nos anos 70, de transformação das práticas de assistência em saúde mental, tornando-a mais humana; e, sobre os riscos atuais que corre os atuais dispositivos de atenção psicossocial,como o Caps, ao se burocratizar como aparelho de saúde pública, pensamos em um projeto de intervenção.
Esse projeto é fruto de um desejo, talvez ingênuo, de resgatar o princípio instituinte das lutas pela transformação do modelo psiquiátrico, luta responsável pela criação do Caps e de outras conquistas, da qual o Caps é uma das principais. Desejo de resgatar histórias de lutas, de fluxos e refluxos onde as práticas são tomadas por uma ansiedade criativa, conseqüência de um não-modelo, visando aprimorar-se dia a dia através da reflexão das contingências cotidianas.
Assim como no fim dos anos 70 e início da década de 80 o movimento de reforma psiquiátrica e sanitária juntou-se com outros movimentos sociais levantando a bandeira da redemocratização, anistia geral, irrestrita e o movimento das diretas, nos tempos atuais faz-se necessário sua integração com as causas relevantes da atualidade, como o combate a cultura do narcisismo[5] propagada pelo método de vida pós-moderno, que culmina na individualização excessiva do sujeito, confinando-o cada vez mais a espaços privados, lançando suas preocupações aos seus feitos e desempenhos individuais e, dentro da subjetivação neo-liberal, desfocando a atenção de causas sociais e coletivas. Em outras palavras, lutar pela redemocratização e pelo fim dos manicômios hoje (e pela própria manutenção da saúde mental), é lutar por espaços coletivos de acesso amplo, geral e irrestrito: resgatar o espaço público.
Resgatar o milagre cidade, que como enfatiza Rolnik:
“se produz quando o homem, além de sua vida privada, de sua existência enquanto ser natural ou parte da natureza, cria uma espécie de segunda vida, uma espécie de bios político ou ser político, que se concretiza vivendo em conjunto com outras pessoas. A vida na cidade constitui-se não só pela convivência de pessoas diferentes, como também por sua participação de um contrato social que tem caráter público; contrato tácito baseado na palavra e na persuasão, na não violência e na não força. Através da linguagem, que não é o discurso da força e da violência, é possível estabelecer o espaço público, constituir de forma permanente o contrato. A essência do público – seja espaço, convívio ou identidade – que é feita de diferentes linguagens e falas, de troca de olhares, de bens e de amores, acabou minguando, senão regredindo para uma espécie de sobrevivência imediata, transformando-se em pura burocracia.” (Rolnik, 2000; p. 182).

A experiência dos CECCOS como matriz
.
Este projeto de intervenção se inspira em uma outra experiência ocorrida no município de São Paulo e que traduz o desejo e a relevância de tirar o foco exclusivo da questão da saúde mental à esfera do saber médico/psiquiátrico, inclusive no aspecto arquitetônico. Trata-se dos CECCOs – Centros de Convivência e Cooperativas, que “foram idealizados para existir em espaços por excelência públicos (parques, centros esportivos, praças e centros comunitários municipais), constituindo-se serviços com perfil interventor e questionador da coisa pública”. ( Lopes, 1999; p. 149).
“Os centros de convivência e cooperativas provocaram, assim, uma espécie de desequilíbrio nesta rede de atenção à saúde, por se tratar genuinamente de um serviço com perfil cultural, um espaço de encontro de vidas entre portadores de necessidades especiais e a população em geral, que promoviam a convivência e o exercício da cidadania em equipamentos sociais públicos, através da arte e do trabalho cooperado, desprovido dos aparatos clássicos de serviços de saúde (macas, vestes brancas, remédios, seringas). Além de introduzir no imaginário popular uma nova inscrição sobre saúde e integração e serviços, ofereciam a teóricos, estudiosos e planejadores outros indicadores – além dos familiares epidemiológicos e sociais – para a compreensão do fenômeno saúde: indicadores culturais que nessa nova modalidade intersetorial de executar saúde, se apresentam como balizadores na definição de “qualidade” de vida.” (Lopes, 1999; p. 147)

O projeto de intervenção

O projeto de intervenção caracteriza-se por buscar um mesmo objetivo através de duas vias distintas: a potencialização dos espaços públicos existentes e a criação de um novo espaço autônomo para os usuários, amigos e familiares. Vias estas que podem vir a ser independentes uma da outra, ou concomitantemente, estabelecendo uma relação complementar, entrelaçando-se.
Propomos, dentro da potencialização dos espaços públicos existentes, a criação de centros de convivência nestes, na cidade de Assis, de modo a integrar ações coletivas entre os usuários do Caps/Assis e a sociedade civil, através da realização de atividades diversas, como oficinas de caráter expressivo, visando a constituição de um novo paradigma artístico/estético na cidade, descentralizando a figura do artista como criador super-humano, dimensão esta que reforça o caráter egóico, de “celebridade” de quem realiza a arte, e trazendo-a para o plano humano, lendo as manifestações artísticas como potencial antídoto ou resposta às condições opressoras do sistema social dominante e da própria condição existencial do sujeito.
Estes espaços coletivos também visariam a oferta de oficinas de caráter gerador de renda, com a confecção, nos moldes do coorporativismo, de produtos e serviços que poderiam culminar em uma oferta alternativa ao consumo capitalista, e cujos lucros fossem divididos entre os participantes, de modo a abrir-lhes novas possibilidades estabelecendo uma nova relação com o conceito de trabalho, em uma sociedade que prioriza o trabalho e a geração de renda como grande característica identitária.
Propomos que, além das referidas oficinas, de caráter expressivo ou geradora de renda, sejam ministrados cursos diversos, com convênios firmados com instituições do município, como corte-e-costura, panificação, etc. (Convênios firmados com o SENAI) cursos de teatro, música e dança (Convênios com a Fundação Assisense de Cultura), convênios com academias esportivas e o Centro Social Urbano, afim de promover realização atividades esportivas diversas; além de um suporte relativamente eficiente no campo da Assistência Social e Jurídica, com a utilização de esferas destinadas ao público em geral, como a Secretaria da Assistência Social, para efetivamente disponibilizar toda a documentação básica aos usuários e a qualquer cidadão (Cic, RG, Título de Eleitor, Certificado de Reservista, etc.), revisão de benefícios junto à Previdência Social, etc; e com a Ordem dos Advogados do Brasil, para garantir aparato de assistência jurídica nas diversas instâncias que carecer o cidadão/usuário dos serviços de saúde mental, desde revisão em casos de pensão ou visita aos filhos, passando por ações no campo da cidadania, como entrada com mandato judicial assegurando a cumprimento a oferta integral de assistência pública estabelecida pelo SUS em lei federal no. 8.080[6], entre alguns exemplos.
Entre alguns dos espaços públicos da cidade de Assis onde tais atividades poderiam acontecer, citamos: Centro CulturalDona Pimpa, Estação Parada das Artes, Casa de Taipa, Teatro Municipal da FAC, Unesp, Parque Buracão, Centro Social Urbano, Instituto Florestal de Assis, Barracão da Assistência Social na Vila Prudenciana, e outros espaços públicos em geral, tais como: praças, quadras poliesportivas, escolas públicas, etc.
Partindo da esfera da valorização e apropriação do espaço público, o que, via de regra, está mais próximo e possível de ser realizado, o presente projeto de intervenção também tem como desejo e fator de extrema importância, alicerçar ainda que no campo subjetivo, a criação de um novo espaço público, com os mesmos objetivos citados anteriormente, porém com uma diferença: um espaço autônomo, desvinculado exclusivamente aos domínios do poder público municipal, onde os próprios usuários e familiares seriam responsáveis diretos pela sua administração e manutenção. Acreditamos ser esse espaço possível de ser criado como sede da Pirassis – Associação de Usuários e Familiares do serviço de saúde mental de Assis.
Sobretudo, propomos através da utilização coletiva dos espaços públicos, promover os usuários do Caps de Assis e os habitantes do município à condição de cidadão, com poder de atuar e transitar pelas vias democráticas que, teoricamente, estão disponíveis à sociedade.






































BIBLIOGRAFIA E REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

AMARANTE, P. Revisando os paradigmas do saber psiquiátrico: Tecendo o percuso do movimento da reforma psiquiátrica. In: Loucos pela vida – A trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil, Rio de Janeiro, Panorama/ENSP, 1995 p. 21-55.

_____________ Manicômio e Loucura no final do Século e do Milênio. In: Fim de Século: Ainda Manicômios?, São Paulo, IPUSP, 1999

_____________ A (clínica) e a Reforma Psiquiátrica. In: Archivos de Saúde Mental e Atenção Psicossocial, Rio de Janeiro, Nau Editora, 2003.

LASCH, C. A Cultura do Narcisismo. Rio de Janeiro, Imago, 1983.

LOPES, I. C. Centro de Convivência e Cooperativa: reinventando com arte agenciamentos de vida. In: Fim de Século: Ainda Manicômios? São Paulo, IPUSP, 1999.

LUZIO, C. A Atenção em Saúde Menta em municípios de pequeno e médio porte. Campinas, 2003. (Tese-doutorado, Unicamp)

ROLNIK, R. O Lazer Humaniza o Espaço Urbano. In: Lazer Numa Sociedade Globalizada. São Paulo, SESC/WLRA, 2000.

SAÚDE MENTAL NO SUS: OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

YASUI, S.: A construção da Reforma Psiquiátrica e seu contexto histórico. Assis, FCL-Assis – Dissertação de Mestrado, 1999, p. 39-75.


















[1] Em 1982, Franco Montoro é eleito governador do Estado de São Paulo, cujo lema era: “É hora de mudar”. Diversos grupos constituíram-se para elaborar o seu programa de governo. Um desses grupos era composto de profissionais da saúde mental, professores e outros, que, após muitas reuniões e discussões, elaboraram os princípios de um programa de saúde mental, cujos pontos principais eram: regionalização, hierarquização e integração dos serviços, com ênfase no trabalho nos níveis primário e secundário, com a progressiva desospitalização, com a desativação dos leitos psiquiátricos junto com a criação de redes de ambulatório e de centros de saúde, criação de leitos de retaguarda em hospitais gerais, trabalhos com a comunidade, investimentos na recuperação de recursos humanos e suspensão graduada dos convênios com hospitais psiquiátricos privados. Estas propostas foram implantadas através de um importante projeto da transformação da assistência em saúde, conhecido como Programa de Ações Integradas de Saúde, que estabelecia um convênio entre o Ministério da Previdência e Assistência Social, o Ministério da Saúde e o Governo do Estado de São Paulo, mais a adesão da Prefeitura Municipal.
Nos anos de 1973 e 1974, Luíz Cerqueira, então coordenador da coordenadoria de saúde mental da Secretária do Estado de São Paulo, formulou uma nova proposta de assistência neste campo e a sua implementação, que iria servir de referência a linha adotada pelo programa feito na gestão Montoro. Porém as propostas de Luiz Cerqueira não foram realizadas à sua época devido ao lobby realizado pelos donos de hospitais psiquiátricos particulares.
[2] Em 1989, nas cidades de São Paulo e Santos são eleitas Luíza Erundina e Telma de Souza, respectivamente, prefeitas destes municípios. Ambas realizaram em suas gestões ações comprometidas com os princípios e diretrizes das reformas sanitária e psiquiátrica. Em São Paulo, uma destas ações foi a criação dos Centros de Convivências e Cooperativas (CECCOs), pautada por duas linhas de ações, uma que pretendia combater a cultura manicomial e outra que propunha-se a integrar o usuário, sua família, a sociedade e a população marginal e dispersa, através de um serviço com perfil cultural e não somente técnico-profissional. Em Santos, foi a criação dos NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial), a ação de grande relevância no campo da transformação dos serviços em saúde mental. Estes funcionavam constantemente em período integral para o acolhimento de toda e qualquer demanda psiquiátrico-psicológica de um dado território, isto é, sua ação era regionalizada.
[3] Termo utilizado pelos analisadores institucionais, ao se referirem a uma experiência ou ação que introduz numa instituição um dispositivo criador/inovador que visa potencializar a vida frente a despotencialização da estrutura burocrática institucional
[4] Caplan propunha o termo desistitucionalização como sinônimo de racionalização de recursos, de otimização, ou mera desospitalização.Franco Rotelli, dando continuidade à tradição iniciada por Franco Basaglia, redefine o conceito de desinstitucionalização como sinônimo de desconstrução . “Neste sentido, desistitucionalização não se restringe à reestruturação técnica, de serviços, de novas e modernas terapias: torna-se um processo complexo de recolocar o problema, de reconstruir saberes e práticas, de estabelecer novas relações. Por isso, desinstitucionalização torna-se acima de tudo, um processo ético-estético, de reconhecimento de novas situações que produzem novos sujeitos, novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos.” (Amarante, 2003; p49-50)
[5] O termo “Cultura do Narcisismo” foi cunhado pelo sociólogo norte-americano Cristopher Lasch, em livro homônimo. Seundo Lasch: “O novo narcisista é perseguido não pela culpa, mas pela ansiedade. Ele preocupa não inflingir suas próprias incertezas aos outros, mas encontrar um sentido para a vida. Libertado das superstições do passado, ele duvida até mesmo da realidade de sua própria existência. Superficialmente tranqüilo, e tolerante, vê pouca utilidade nos dogmas de pureza racial e étnica, mas, ao mesmo tempo, vê-se privado da segurança de lealdade do grupo e considera os outros como rivais pelos favores conferidos por um Estado paternalista. Suas atitudes sexuais são mais permissivas do que puritanas, muito embora sua emancipação de velhos tabus não lhe tenha trazido a paz sexual. Ferozmente competitivo em seu desejo de aprovação e reconhecimento, desconfia da competição, por associá-la inconscientemente a uma irrefutável necessidade de destruir. Desse modo, repudia as ideologias competitivas que floresceram em um estágio anterior do desenvolvimento capitalista e desconfia até de sua limitada expressão em esportes e jogos. Exalta a cooperação e o trabalho de equipe, enquanto abriga profundos impulsos anti-sociais. Exalta o respeito a regras e regulamentos, na crença secreta de que esses não se aplicam a ele. Ganancioso, no sentido de que seus desejos não têm limites, ele não acumula bens para o futuro, como fazia o ganancioso individualista do século dezenove, mas exige imediata gratificação e vive em estágio de desejo, desassossegada e perpetuamente insatisfeito” (Lasch, 1984 p; 25 e 26.)
[6] Com referência, por exemplo, a assegurar a correta oferta de tratamentos, de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, conforme estabelece o artigo sexto da Disposição Preliminar do Sistema Único de Saúde na referida lei 8.080, de 19 de setembro de 1990.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home