Friday, October 01, 2004

INFLEXÕES NA SUBJETIVDADE CONTEMPORÂNEA : misticismo como resposta ao sintoma social dominante?

relatório final

trabalho de iniciação científica financiado pelo pibic/cnpq
por: altieres edemar frei
orientado por: abílio da costa-rosa

unesp-assis - faculdade de ciencias e letras, curso de psicologia - 2002 a 2004.

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1. Introdução


Nesta pesquisa procuramos investigar a hipótese posta em pauta de que as cada vez mais frequentes procuras de cura de caráter místico-religiosas poderiam representar um modo de solução para certos efeitos definidos como mal-estar pós―moderno, para um conjunto significativo, e cada vez mais amplo, de indivíduos, no contexto dos centros urbanos.
Apresentamos a princípio as investigações no campo teórico dos referenciais bibliográficos que norteiam a contextualização sócio-histórica da procura de cura na subjetividade dos seus adeptos. A começar pela própria conceitualização do referido mal-estar pós-moderno, época assim caracterizada por muitos pensadores da atualidade, em diversos segmentos literários.
Ernesto Sampaio, num prefácio a uma obra de Peter Burger[1] sobre o estudo das vanguardas, aponta: “O pós―modernismo trivializa seus produtos, renuncia à abstração como forma de conhecimento e usa e abusa da imagem como via de conciliação. Preenche, em suma, as necessidades residuais de uma sociedade que não tem tempo para leituras: gasta quase que todo o tempo de reflexão disponível a pensar no melhor modo de se defender”.
Para o filósofo e escritor francês Gilles Lipovetsky[2], esta pós-modernidade nunca existiu, pois não estamos ainda além da modernidade. Vivemos o fenômeno de dilatação desta modernidade, ou hipermodernidade, segundo ele, que começou em meados do séc. XVIII, alicerçada em três pilares: a individuação, ou o respeito pelos direitos do homem; o mercado, ou o que Adam Smith define como “a mão invisível” e os avanços tecnocientíficos. Isso culmina em uma sociedade contemporânea que, de modo quase esquizofrênico, é dividida paradoxalmente entre a cultura do excesso e um excessivo cuidar de si. Hiperpornografia, hipermercados, esportes radicais, uso de drogas e delinqüência em um ritmo que conspira sempre ao desafio dos limites, contrastando com auto-cuidados que lotam clínicas dos mais diversos especialistas[3].
Em A era do vazio, Lipovetsky cita a culminação desse processo refletida na propaganda através “de um tom humorístico vazio e ligeiro nos antípodas da ironia mordaz”[4] que leva tudo a muito longe, a uma hiper lógica do absurdo, o jogo do sentido e do não sentido”[5].
Algumas das idéias de Lipovetsky vem somar-se a nossa investigação sobre os efeitos da Cultura do Narcisismo, termo cunhado pelo sociólogo norte-americano Christopher Lasch em livro homônimo. Ao longo da pesquisa, durante a confecção dos relatórios, expomos alguns princípios de Lasch, que agora aliamos à visão de outros autores que se debruçaram sobre o tema, como de Joel Birman, que, mesmo não usando o termo hiperindividualidade, fala do “autocentramento do sujeito atingindo limiares impressionantes e espetaculares, aliado a uma inexistência de história (ruptura da continuidade histórica) e o desaparecimento da alteridade como valor”[6] como traços fundamentais considerados por Lasch em “A Cultura do Narcisismo”
O elemento mais característico desses vínculos consiste justamente em que eles propiciam uma vivência narcisista de completude imaginária de um tipo que remonta às primeiras fases do desenvolvimento subjetivo, onde o infante e o Outro são um. Lasch considera que essa disposição das subjetividades para as relações objetais de caráter absoluto é resultante do modo como estão organizadas as relações sociais nas sociedades de capitalismo tardio, das quais afirma ser a sociedade americana um protótipo: contínua desintegração das comunidades locais, isolamento dos indivíduos perdidos na fragmentação de papéis, relações de trabalho insatisfatórias, insegurança quanto ao futuro mais imediato, ploriferação de imagens nos meios de comunicação operando a substituição de valores enraizados por outros de consistência efêmera, tendendo a essa sociedade ter a certeza sendo substituída pelo cinismo, o tédio e a alienação)[7].
Segundo Lasch: “O novo narcisista é perseguido não pela culpa, mas pela ansiedade. Ele preocupa não inflingir suas próprias incertezas aos outros, mas encontrar um sentido para a vida. Libertado das superstições do passado, ele duvida até mesmo da realidade de sua própria existência. Superficialmente tranqüilo, e tolerante, vê pouca utilidade nos dogmas de pureza racial e étnica, mas, ao mesmo tempo, vê-se privado da segurança de lealdade do grupo e considera os outros como rivais pelos favores conferidos por um Estado paternalista. Suas atitudes sexuais são mais permissivas do que puritanas, muito embora sua emancipação de velhos tabus não lhe tenha trazido a paz sexual. Ferozmente competitivo em seu desejo de aprovação e reconhecimento, desconfia da competição, por associá-la inconscientemente a uma irrefutável necessidade de destruir. Desse modo, repudia as ideologias competitivas que floresceram em um estágio anterior do desenvolvimento capitalista e desconfia até de sua limitada expressão em esportes e jogos. Exalta a cooperação e o trabalho de equipe, enquanto abriga profundos impulsos anti-sociais. Exalta o respeito a regras e regulamentos, na crença secreta de que esses não se aplicam a ele. Ganancioso, no sentido de que seus desejos não têm limites, ele não acumula bens para o futuro, como fazia o ganancioso individualista do século dezenove, mas exige imediata gratificação e vive em estágio de desejo, desassossegada e perpetuamente insatisfeito”[8]
Egos enfraquecidos e protéticos, compelidos a um tipo de plasticidade camaleônica, que seria correlativa de ligações emocionais cada vez mais superficiais. Pressões à identidade sendo compensadas por uma ideologia utilitarista do indivíduo possessivo, na qual o reconhecimento pessoal só vêm pela aquisição competitiva. O autor conclui que “após a ebulição política dos anos 60, os americanos recuaram para preocupações puramente pessoais. Desesperançados de incrementar suas vidas com o que interessa, as pessoas convenceram-se de que o importante é o autocrescimento psíquico (...) viver para o momento é a paixão predominante – viver para si”[9]
Podemos somar tais pensamentos, sobre o enfraquecimento da relação do sujeito com o Simbólico, a alguns pontos abordados nos escritos de Félix Guatarri, principalmente quando ele infere nas repercussões desses efeitos na subjetividade de um modo geral. Segundo ele, “A desvalorização do sentido da vida provoca o esfacelamento da imagem do eu: suas representações tornam-se confusas, contraditórias”[10].
Birman diz que nessas circunstâncias, ocorre uma “estetização da existência”, onde o que importa para a individualidade é a exaltação gloriosa do próprio eu, desdobramento da cultura do espetáculo, termo cunhado por Debord[11]. Isso culmina no papel fundamental dado a mídia para essa tarefa, ou “na cultura da estetização do eu, o sujeito vale pelo que parece ser, mediante as imagens produzidas para se apresentar na cena social, lambuzado pela brilhantina eletrônica”[12]. Julgamos estar aí diantes de um ponto estratégico fundamental na concepção teórica dessa pesquisa, àquilo que Lasch se referia como proliferação das imagens nos meios de comunicação.
A importância da mídia para massas na confecção de modos de subjetivação também é vista como estratégica por Guatarri. Para ele “Os fatores subjetivos sempre ocuparam um lugar importante ao longo da história. Mas parece que estão na eminência de desempenhar um papel preponderante, a partir do momento em que foram assumidos pelos mass mídia de alcance mundial”[13].
Para uma breve contextualização do mass mídia, recorremos a uma abordagem sobre seu meio de comunicação mais significativo, em especial no Brasil: a televisão. Muniz Sodré, autor do livro Televisão e Psicanálise[14] faz um relato dos seus impactos na subjetividade com ênfase no narcisismo. Aponta a alguns aspectos que tem direta interface com os autores estudados nos referencias teóricos dessa pesquisa, como quando cita, sobre a ordem da televisão, que em vez de uma consciência política inflamada, a nova esfera “pública” comporta melhor a consciência passiva do sujeito-consumidor, confinado ao seu bem-estar “privado”.
Para chegar ao estudo da influência da tele-visão, Muniz Sodré faz um breve relato sobre como o olhar vai se caracterizando, ao longo dos séculos, como privilegiado em relação aos outros sentidos, desde os mitos, e cita então o mito de narciso (no que se refere ao fascínio pelo ato de ver a própria imagem refletida), e cita reforçadores que favoreceram o predomínio do sentido visual, que vão desde o uso do alfabeto desenhado, escrito, até sua ratificação pelo aparecimento da imprensa que cria o livro portátil, permitindo a individualização da leitura. Chega a abordar o uso dos vidros e sua relação com o desenvolvimento da tecnologia como um todo, como através do desenvolvimento de pesquisas ( possibilitado pela criação de telescópios, microscópios, termômetros, lentes, etc.), chegando aos aspectos arquitetônicos, onde, a partir do iluminismo que prioriza a luz, faz-se uso de vidros em catedrais e outras obras, redimensionando o olhar na construção das cidades.
Por fim, Muniz Sodré chega à máquina de poder imaginada por Jeremy Betham, uma torre de vidro onde de dentro pudesse se ver tudo que se passava fora, e de fora não se tivesse noção desta vigília: o panóptico. Sua função de afirmação do poder político do olhar residiria, segundo Bentham, “na faculdade de ver com uma olhada tudo o que se passa”[15].
As conseqüências do panoptismo, tão bem relatadas por Foucault em “A verdade e as Formas Jurídicas”[16], já teriam sido preconizadas por Bentham, quando este se referia ao poder universal, que na realidade, segundo Muniz Sodré, seriam os poderes de ubiqüidade e onividência que evocavam a força do olhar divino, do olho de Deus.
Muniz Sodré continua ainda o relato sobre o fascínio do olhar citando máquinas de simulacros, já no séc. XX. “Como a imagem de Narciso no espelho, o simulacro é inicialmente um duplo, ou uma duplificação do real” (2000, p. 33)[17]. Chega à fotografia e a sua função de escrever com a luz, ao cinema, e finalmente à tv. Ressalta as diferenças de rituais, enquanto no cinema há um deslocamento às respectivas salas, a televisão invade os lares mundialmente a partir da segunda guerra, oferecendo ao telespectador um tempo e um espaço simulados.
Nesse contexto de fascínio pela imagem, ao qual Deborard irá gerir sua cultura do espetáculo, e ao qual Lasch apontará como um dos desencadeadores da cultura do Narcisismo, e tantos outros estudiosos tecem e tecerão considerações, algumas religiões irão se apoiar substancialmente, defendendo horários em grandes redes de televisão no Brasil, conforme comentaremos mais adiante.
Voltando à Lasch, outro ponto relevante na sua obra que merece comentários, é o quanto a Cultura do Narcisismo tem correlação com o enfraquecimento da idéia de continuidade histórica, com o passado não servindo mais de guia para o presente, e o futuro tornando-se absolutamente imprevisível.
Com essa fenda que abriu-se entre o que alguns autores denominam de pós-modernidade (e outros de hipermodernidade) e o passado, consecutivamente, ocorre uma mudança na forma do homem relacionar-se com as religiões: se antes havia uma situação de uma maior preocupação com os ancestrais, a ligação entre gerações e a busca espiritual, atualmente, ainda com referência a Christopher Lasch, a descontinuidade histórica favorece a permeação das buscas utilitaristas nas práticas religiosas contemporâneas. [18]
E com relação à outra fenda, entre os tempos atuais e o futuro, Lasch justifica que “faz sentido vivermos somente para o momento, fixarmos nossos olhos em nossos próprios desempenhos particulares.” - o que também contribui para esse contexto narcísico de “minimização do eu”[19] colocando o indivíduo contemporâneo diante do sufocante temor de “viver não só sem fama, mas sem o eu, viver e morrer sem jamais ter tornado seus amigos conscientes do espaço microscópico que ocupa nesse planeta.”
Para Fontenelle, “Mínimo eu” ou “individualidade mínima”, seria a “forma contemporânea de preocupação com a sobrevivência psíquica, um conceito que Lasch cunhou para poder diferencia-lo da visão corrente e errônea do termo narcisismo, que acabou associado a uma preocupação com o indivíduo, com sentido de egoísmo ou auto-interesse”[20]. A autora remete a uma menção de Lasch de que na lenda grega não é o egoísmo, mas a confusão entre o eu e o não-eu que define o apuro de Narciso, ou seja, de que sua morte resultou na impossibilidade de ele distinguir-se de seu próprio reflexo no lago. Por fim cita que segundo Lasch, “na sociedade contemporânea esse embaralhamento das fronteiras entre o indivíduo e seu meio tem fontes mais concretas: uma profunda transformação social na qual um mundo confiável de objetos duráveis – estável, ordeiro e seguro – dá lugar a um mundo de imagens oscilantes que torna cada vez mais difícil a distinção entre a realidade e a fantasia e leva a um risco de desintegração individual que estimula um sentido de individualidade sitiada”[21]
Concordando com as teses gerais da Cultura do Narcisismo e agrupando uma série de fenômenos da sociedade contemporânea está o autor inglês Charles Lindholm[22], assinalando que os indivíduos em questão, terão tendência a procurar outros com que possam se identificar, e através dos quais possam experimentar uma poderosa sensação de perda dos limites do eu: “um universo estranho e subjetivo no qual o tempo não tem sentido, o espaço é permeável, os pensamentos podem ser interceptados, o mundo é povoado por forças vivas e as leis comuns da lógica não tem validade, um mundo interior onde dominam poderosos impulsos emocionais, onde sentimentos grandiosos de onipotência são ampliados por medos e fúrias paranóicas, e por processos cognitivos de divisão e projeção”[23]
Os indivíduos narcisistas teriam particular inclinação para a submissão a um líder carismático, pois, ainda segundo Lindholm, o que parece estar em questão é a relação de extrema dependência com o outro, cuja unidade do eu é tomada como apêndice construtivo, culminando na proposição de Lindholm, citada por Costa-Rosa de que “na base desse tipo de vínculo objetal, para tais indivíduos, estão em questão insatisfações com a figura paterna, em que podemos entender que se trata de sujeitos para os quais é problemático o acesso ao estágio edípico do símbolo propriamente dito. Para estes sujeitos a simbolização das relações com os ‘objetos primordiais’ se encontra prejudicada – o que reflete, por exemplo, em que as vivências de completude tenham sempre a marca do imaginário do tipo ‘Eu ideal’, e não a marca do simbólico”[24]
Diante todo esse desenrolar à essa época é que procuraremos investigar nossa hipótese posta acima: caracteriza―se a procura das práticas de cura místico―religiosas como fenômenos intrínsecos à humanidade ou como uma resposta a esse conjunto de fatores descritos sobre diversos nomes (cultura do narcisismo, individualismo, ou espetáculo, etc.); respostas ao Sintoma Social Dominante?
Quem cunhou o conceito de Sintoma Social Dominante foi Charles Melman. Segundo ele, “Não basta que um grande número de indivíduos numa dada comunidade seja atingido por algo para que isso se transforme em um sintoma social” (...) “Mas pode-se falar das toxicomanias como um sintoma social a partir do momento em que a toxicomania é de certo modo inscrita, mesmo que seja nas entrelinhas, de forma não explícita (...) no discurso dominante de uma sociedade em uma dada época.” [25].
Ou seja, estudando os mecanismos do alcoolismo, da toxicomania e da delinqüência, Melman pode defini-las como respostas ao Sintoma Social Dominante, (SSD). Procuramos, em linhas gerais, investigar se a procura das práticas místico-religiosas iria somar-se outra resposta ao SSD.
Em sua idéia central, Melman discorre sobre o quanto o alcoolismo pode se caracterizar como uma reivindicação de um gozo que pertence ao sujeito como lote exclusivo do Outro, o quanto a delinqüência pode ser devida ao declínio da função paterna que lança todos a procura de atos simbólicos e o quanto a toxicomania é inevitável e “merecida” no reino dos objetos contemporâneos.
Voltando à toxicomania: “Quer dizer que o que se chama para nós a ‘sociedade de consumo’ repousa sobre um ideal, mas ignora que este ideal é o toxicômano que o realiza. Com efeito, o sonho de todo o publicitário, de todo fabricante, é o de realizar o objeto sem o qual ninguém mais poderia passar; o objeto que teria qualidades tais que apaziguaria, ao mesmo tempo, as necessidades e os desejos; que necessitaria de uma renovação permanente, uma perfeita dependência.”[26].
Fontenelle tece algumas considerações sobre a leitura desta parte da obra de Melman, como quando o cita: “o fato de que existe um objeto, um objeto fabricado, suscetível de anular todo gozo outro que não aquele que ele oferece, suscetível, por outro lado, de provocar o que se chama ‘esse estado de dependência’ que faz com que não seja mais possível prescindir dele (...) isso é muito exatamente o ideal de todos aqueles que se arriscam a lançar produtos no dito mercado, ou seja, a encontrar o que seria suscetível de tomar esse lugar”[27]. Segundo ela, ainda em leitura a Melman, esse seria um desejo sem representação, uma passagem no ato, que é no que consiste a experiência mais radical do usuário de drogas: o consumo absoluto do “real” do corpo[28].
Muniz Sodré também tece algumas considerações que podem ser anexadas à essa perspectiva: “A imagem, sobre a forma de simulacro, é apenas um signo feérico e, como tal, deve gerar a sua própria ordem, baseada numa economia de frustração. Sua dinâmica de funcionamento consiste em não poder jamais cumprir inteiramente aquilo que promete: no caso do vídeo, o real apontado; no caso da publicidade, o objeto anunciado, que não pode ser definitivamente satisfeito” (...) “Deste processo faz parte a droga, porque acena para a consciência com a miragem de poderes e saberes que se deseja, mas não se tem”[29]
Segundo Birman, ao se referir às direções da psicopatologia na modernidade, o que a define é o destaque conferido a quadros clínicos fundados sempre no fracasso da participação do sujeito na cultura do narcisismo: “Quando se está deprimido e panificado, o sujeito não consegue exercer o fascínio de estetização de sua existência, sendo considerado, pois, um fracassado segundo os valores axiais dessa visão de mundo. Pelo uso sistemático de drogas, o indivíduo procura desesperadamente ter acesso à majestade da cultura do espetáculo e ao mundo da performance. É necessário glorificar o eu, mesmo que por meios bioquímicos e psicofarmacológicos, isto é pelos artefatos tecnológicos”[30]
Fez-se presente ao longo dessas páginas introdutórias a apresentação de alguns pontos nodais que visaram a contextualização do mal estar contemporâneo, em suas diversas faces, da Cultura do Narcisimo, à Cultura do Espetáculo, passando por considerações sobre o mass-mídia e suas implicações no campo do olhar. Também procuramos mapear alguns aspectos do carisma, em obra de Lindholm e contextualizar o Sintoma Social Dominante, tudo para que pudessemos lançar alguma luz ao espírito do tempo contemporâneo (zeitgeist). Agora, entraremos com tentativas de elucidação sobre o sentimento religioso, propriamente dito, desde os escritos de Freud, chegando ao relato bastante relevante do panorama religioso brasileiro feito por Maria Lúcia Montes. Começamos por Freud.
Já em 1921, com “Psicologia das Massas e Análise do Eu”[31], Freud lança a tona idéias sobre como, em uma multidão, ou grupo, a estrutura do superego seria dissolvida e transferida para quem ocupasse a posição de líder. E a essa condição, o indivíduo assistiria ao desabrochar de todas suas emoções: “El fenómeno mas singular y al mismo tiempo más importante de la formación de la masa consiste en la exaltación o intensificación de la emotividad en los individuos que la integram. Puede decirse – opina Mac Dougall – que no existen otras condiciones en las que los afectos humanos alcancen la instensidad a la que llegan en la multitud. Además, los indivíduos de una multitud experimentan una volupstuosa sensación al entregarse ilimitadamente a sus pasiones e fundirse en la massa, perdendo el sentimiento de su delimitación individual.”[32]
Freud diz ainda que nessas condições a massa transmite ao indivíduo uma impressão de um poder ilimitado e invencível, substituindo assim, por um momento, a encarnação da autoridade ou superego. Referia-se a diversos tipos de massas, entre elas o exército, as oriundas do nacionalismo – como as que em pouco mais de dez anos o mundo poderia constatar, com os fenômenos do nazismo e fascismo, e às religiões.
Nesse caso das religiões, ainda segundo Freud, em específico, resulta-se a mais difícil de se observar. Entre outras coisas é citado que o que aparece em curso desta suposta decomposição da massa religiosa não é o medo, elemento comum nas degradações de outras massas, e sim impulsos egoístas e hostis aos que o amor comum de Cristo não lhes chega: “Pero aun durante el reinado de Cristo hay individuos que se hallan fuera de tales lazos afectivos: aquellos que no forman parte de la comunidad de los creyentes, no aman a Cristo ni son amados por El. Por este motivo, toda religión, aunque se denomine religión de amor, há de ser dura y sin amor para com todos aquellos que no pertenezacan a ella”[33].
Discorre sobre quais estruturas psíquicas estão em jogo no processo de identificação com o líder, traça paralelos na história humana, inclusive a biológica, onde se um membro do rebanho se rebela contra a horda, supõe-se ter de viver só, e isso causa medo e espanto, e o quanto a procura de satisfazer a libido mantém-se presente no decorrer das massas.
Ao nosso presente trabalho, Sigmund Freud, já em 1921, nos deixa uma pista digna de citação: “No es tampoco dificil reconecer en todas las adhesiones a sectas o comunidades mistico-religiosas o filosófico-místicas la manifestación del deseo de hallar un remedio indirecto contra diversas neurosis.” [34]
Contudo é na obra “O Futuro de uma Ilusão”[35], de 1927, que Freud se aprofunda naquilo que considera como determinante na gênese do processo religioso.
Referindo-se à civilização humana, Freud apresenta dois aspectos ao observador: um deles é que esta inclui todo o conhecimento e a capacidade que o homem adquiriu de controlar algumas das forças da natureza; por outro lado, inclui todos os regulamentos necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros, e especialmente, a distribuição da riqueza.
A questão que Freud nos coloca é: a que ponto é possível diminuir os tais ônus dos sacrifícios individuais impostos à humanidade afim de que seja mantido o tal ajustamento das relações; e falando isso, Freud retoma um pouco ao seu referido escrito do ano de 1921 e sintetiza a necessidade do surgimento de um líder às massas, dizendo o quão impossível é uma massa passar sem controle, já que “os homens não são espontaneamente amantes do trabalho e que os argumentos não tem valia alguma contra suas paixões”[36]. Referia-se nesse ponto a como os regulamentos da civilização só podem ser mantidos através de certo grau de coerção.
Em seguida, após cartografar como se dá a introjeção do superego ao longo dos anos do processo evolutivo do sujeito, Freud pousa suas atenções a outro ponto relevante para o nosso estudo, o ideal, ou os ideais. “As pessoas sempre estarão prontamente inclinadas a incluir entre os predicados psíquicos de uma cultura os seus ideais, ou seja, suas estimativas a respeito de que idealizações são mais elevadas e em relação às quais se devem fazer esforços por atingir. Parece, a princípio, que esses ideais determinam as realizações da unidade cultural; contudo, o curso real dos acontecimentos parece indicar que os ideais se baseiam nas primeiras realizações que foram tornadas possíveis por uma combinação entre dotes internos da cultura e circunstâncias externas, e essas primeiras realizações são erigidas pelo ideal como algo a ser levado avante. A satisfação que o ideal oferece aos participantes da cultura é, portanto, de natureza narcísica; repousa em seu orgulho pelo que já foi alcançado com êxito.”[37].
Freud reconhece o quanto essa força, da satisfação narcísica proporcionada pelo ideal cultural encontra-se entre as forças que alcançam algum êxito, especialmente porque ela traz em seu cerne um ponto a mais, o direito a desprezar povos, quer seja por motivos de nacionalidade, credo, ou condição econômica. “Tornar essa satisfação [narcísica] completa exige uma comparação com outras culturas que visaram realizações diferentes e desenvolveram ideais distintos. É a partir da intensidade dessas diferenças que toda cultura reivindica o direito de olhar com desdém para o resto.”[38].
Entrando agora no ponto da gênese das religiões, o seu valor peculiar reside no fato de que ser uma espécie de narcótico; especula Freud que o homem, nos primóridios, teve necessidade em se agrupar para se proteger, e por necessidade foi desenvolvendo abrigos, ferramentas, tecnologia, escrita, e assim sucessivamente. Como troca, a civilização cobra o seu preço: por exemplo, teria de respeitar-se as posses dos outros, as riquezas alheias; e não matar-se uns aos outros - caso contrário, a espécie se ‘auto-mutilaria’ e só sobraria o mais forte de todos, um verdadeiro tirano. Surge então códigos como o de não matar uns aos outros, e assim sucessivamente. Em alguns aspectos, segundo Freud, êxitos foram obtidos; não é a questão malograr todos feitos dos nossos ancestrais. Contudo vulcões, terramotos, enchentes, ainda são catóstrofes naturais; e a morte é certa.
Toda aquela natureza institiva, se é que podemos chamar assim, teria de ser reformulada, alguns desejos, algumas pulsões teriam de ser postas de lado, decepadas. Como forma de substituição, o ser humano teria três opções: a) a primeira, através da satisfação de suas pulsões instituais, sejam elas de origem sexual ou agressiva – que não é nada além da satisfação das mesmas pulsões que, segundo Freud, levaria a espécie a seu auto-mutilar, ou seja, a satisfação impossibilitada pelo ‘contrato social’; b) depois arte, como forma de satisfação subliminar e servindo como a reconciliadora da natureza com a vida civilizada; c) por último o consumo de narcóticos, que Freud considerava a mais boçal, comparando-a ás trapaças.
“A auto-estima do homem, seriamente ameaçada, exige consolação, a vida e o universo devem ser despido de seus terrores, ademais sua curiosidade, movida, é verdade, pelo mais forte interesse prático, pede uma resposta.”[39]
“O desamparo do homem, porém, permanece e, junto com ele, seu anseio pelo pai e pelos deuses. Esses mantêm sua tríplice missão: exorcizar os terrores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente que é demonstrada na morte, e compensá-los pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada em comum lhes impôs”[40].
O anseio pelo pai, a que Freud refere-se, é explicado detalhadamente, porém vamos nos ater ao fato de que a humanidade se comporta diante dos tais “poderes do destino” como uma criança, ou seja, regride a uma estrutura psíquica primária onde se têm, inicialmente a mãe, posteriormente o pai, fazendo esse papel, de alimentar o sujeito e protegê-lo das interpéries do destino.
Não raro, conforme argumento apresentado no decorrer do último relatório, na tentativa de reestabelecer esse vínculo primário, cria-se na figura de Deus o substituto do Pai ou Mãe. Talvez seja por isso que são feitas analogias em diversas religiões entre Deus e Pai, só pra citar alguns exemplos, de orações e ditos populares, “Pai nosso que estás no céu”, “Rogo à Deus Pai, todo Poderoso”, “Deus é pai, não é padrasto”, entre inúmeros outros orbitando a subjetividade e o senso-comum.
Vale a pena ainda frisar que Freud entende as religiões também como ilusões, e mergulha no que viria a ser o conceito de ilusão – segundo ele, uma coisa diferente de um erro. O que é característico as ilusões é o fato de derivarem estas dos desejos humanos. Nesse caso, quando os desejos humanos se fazem protagonistas das ilusões. Onde lê-se desejo, podemos ler “crença”.
E, entre as obras de Freud que abordam as religiões, podemos citar também “O Mal Estar na Civilização”[41]. Além de retomar princípios motivadores da religião como o do sentimento de plenitude característico do eu primário que o bebê experimenta antes da separação psicológica com a mãe, sentimento do qual o eu adulto, um eu apequenado pelo encontro com o princípio da realidade, sente saudades periodicamente, Freud traça todo um panorama daquilo que entendemos como ‘efeitos colaterais’ civilizatórios, alguns deles já comentados em parágrafos acima.
As religiões, segundo ele, atuam ao propor uma modalidade uniforme de adaptação à realidade, cujas características principais estão na desvalorização da vida terrena, na substituição de um mundo real por um delirante e na inibição intelectual. Outro ponto considerável é quando se refere ao sentimento de culpa, deportado ao inconsciente, um legado do complexo de édipo[42] e alimentado pela introjeção do superego, além do quanto as religiões vem atudando nessa área: “Por eso también se concibe facilmente que el sentimento de culpabilidad engedrado por la cultura no se perciba com tal, sino que pemanezca inconsciente en gran parte o se expresse como un malestar, un descontento que se trata de atribuir a otras motivaciones. Las religiones, por lo menos, jamás han dejado de reconocer la importancia del sentimento de culpabilidad para la cultura, denominándolo “pecado”y pretendiendo librar del Humanidad...” (1929, p. 3061).
Na realidade, Freud amadurecera esta idéia, gerida desde os tempos de Totem e Tabu (1912). Nesse texto, Freud faz um relato sobre o que considera como o assassinato do suposto líder da horda primeva, o pai, que tinha sobre seu domínio todas as fêmeas que quisesse. Seguiria-se o costume antropofágico de reter as forças do “inimigo” através da absorção de sua carne, e depois um sentimento de veneração decorrente da culpa e arrependimento sentidos pela morte do líder, expresso na figura totêmica, com a substituição da figura do líder da horda primeva por um determinado animal.
Não raro, este animal totêmico era impedido de ser comido, ou seja, caía-lhe simbolicamente sobre as costas o peso de representar o pai morto. Tal ritual, como se sabe, é apropriado também pelos cristãos, ainda que em datas reservadas, como a Páscoa. “La religión totêmica surgio de la consciência de la culpabilidad de los hijos y como uma tentativa de apaciguar este sentimento y reconciliar-se com el padre por médio de la obediencia retrospectiva. Todas las religiones ulteriores se demuestran como tentativas que variam segundo el estado de civilización en el que son emprendidos y los caminos que siguen en su desarrollo”[43](1912, p. 1567)
Há, entrementes, outras postulações e descobertas na obra de Freud de profundo interesse para este campo, contudo atemo-nos a estes descritos como parte do embasamento teórico da nossa análise de o quanto o misticismo, ou as práticas de cura de caráter místico-religiosas, podem estar se constituindo como uma das respostas ao dito sintoma social dominante. A seguir, apresentaremos nossos objetivos gerais e nossa pesquisa, e nos tópicos destinados a apresentação dos resultados e à conclusão retomaremos alguns dos princípios, tentando assim, concatenar as idéias.


2. Objetivos

Almejou-se compreender e aprofundar o fenômeno do misticismo associado às demandas de mal-estar variado, como objetivo geral e aprofundando também a análise da pesquisa anterior que permitiu considerar o misticismo como uma resposta ao mal estar pós moderno.
Pretendeu-se investigar também, em linhas gerais, o fenômeno da procura massiva de soluções de caráter místico religioso para os diferentes tipos de problemas do cotidiano e certas características da subjetividade dos indivíduos que são os agentes dessa procura, não sendo as atitudes místicas, que se instalam após as adesões às práticas místico-religiosas, meras atitudes passivas,
Essa análise pretendeu incluir, como principais aspectos, o levantamento das seguintes características: subjetividade dos adeptos das práticas místico-religiosas e sua comparação à dos indivíduos que procuram as psicoterapias[44]; caracterização das práticas referidas e sua incidência na vida psíquica dos indivíduos a que elas aderiram; características das formas de atitudes transferenciais (tipos de vínculo com os ‘terapeutas’ e com o seu próprio sofrimento) desses sujeitos; e do levantamento dos fatores que fundamentam essa forma de atitude transferencial.
E, finalmente, se aceitamos a hipótese de que o misiticismo possui esse caráter de recobrimento do mal-estar, pareceu-nos também relevante investigar qual é o seu estatuto ético e quais os passos que ele permite dar, em relação ao sofrimento que motivou o indivíduo.


3. Metodologia

3.1. Entrevistas

Foram analisadas, pelo método clínico, através de entrevistas semi-estruturadas, a trajetória de indivíduos aderidos às instituições místico-religiosas, que chegaram até elas com demandas definidas a princípio, por eles próprios, como sofrimentos físicos ou psíquicos, procurando abordar, entre alguns temas:
· Suas relações com o saber oficial e com os outros saberes paralelos ao oficial, antes de aderirem à atual instituição.
· Qual o estado de sua relação com o sofrimento psíquico original que foi o desencadeador da adesão?
· Quais os efeitos que as práticas produziram no sintoma, e na Demanda?
· Quais os efeitos que a adesão produziu na vida psíquica.
· Quais as relações ente a atitude inicial e atual, em relação as esferas da saúde física e psíquica, do trabalho e da família e da esfera sociocultural.

3.2 Observações:

Tentou-se observar os modos de funcionamento institucional, os modos dos procedimentos definidos como práticas de cura, e as possíveis relações desses procedimentos com os mitos místico-religiosos em que se baseiam ou fundamentam.
Para tanto alguns aspectos da observação levaram em conta as categorias elaboradas por Costa-Rosa, 1995, a saber:
a) Caracterização da sua concepção de ‘objeto’ e dos ‘meios’ de abordá-lo.
b) Caracterização da forma da organização institucional.
c) Análise do tipo de relação estabelecida com a clientela.
d) Análise das implicações éticas dos efeitos de suas práticas juntos aos “clientes”.
e) Descrição detalhada dos procedimentos de ajuda utilizados.

3.3. Sujeitos

Foram entrevistados ao longo deste segundo ano da pesquisa de iniciação científica 7 sujeitos (correspondendo a aproximadamente um terço da população dos 20 sujeitos previstos no cronograma trienal do projeto) freqüentadores igrejas pentecostais renovadas, 7 sujeitos da instituição dos Carismáticos Católicos, 7 sujeitos da Umbanda e 7 sujeitos aderidos ao Santo Daime, que estavam vinculados há mais de seis meses, devido a um sofrimento que os fez procurar por ajuda.

3.4 Cronograma

Durante todo o ano da vigência da bolsa, correspondendo ao segundo terço do cronograma previsto para o triênio 2002-2004, foram feitos aprofundamentos teóricos das obras de alguns dos autores que alicerçam a presente pesquisa, e simultaneamente foram feitas entrevistas e algumas observações junto às igrejas.



4. Resultados

Optamos por apresentar nesse tópico os resultados colhidos no campo teórico, junto com as entrevistas e observações.

4.1. Contextualização do panorama religioso brasileiro – esboço da trajetória de algumas religiões delimitadas neste projeto.

Dados com base no censo de 2000[45] mostram:

RELIGIÃO N. DE PESSOAS (EM MILHARES)
Católicos Romanos:
124.976
Evangélicos:
26.17
Espíritas:
2.34
Umbanda e Candomblé:
0.57
Religiões Orientais:
0.43
Judeus
0.10
Outras
2.12
Sem Religião:
12.31
Não determinado:
0.12

Tabela 1 – Numero de pessoas aderidas a algum tipo de religião no Brasil, segundo o censo de 2000.

A disputa pelo “mercado de bens de salvação” foi alvo de algumas investigações. O termo foi cunhado por Maria Lúcia Montes, em seu texto “As figuras do Sagrado ― Entre o público e o privado”, presente na coleção História da Vida Privada no Brasil, volume 4 (1996). Costa-Rosa faz menção quanto a isso em sua tese de doutorado[46].
À época que Montes escreveu este capítulo, o cenário místico-religioso brasileiro, que já vinha de relativa disputa por clientela, acabava de presenciar o episódio em que um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus chutou uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. A repercussão do episódio foi marcante e trouxe à tona ecos de uma disputa por esse mercado de bens de salvação onde muitas vezes determinada facção religiosa disparou ataque às outras. Ainda atualmente nos jornais[47] podemos encontrar uma reportagem que relata a opressão dessa mesma neo―pentecostal ao candomblé e às religiões afro―brasileiras.
A matéria cita o pagamento de uma indenização determinada pela Justiça Federal por reportagem publicada no jornal da igreja do bispo Edir Macedo, em que uma mãe de santo teria sido desacatada. Cita o depoimento de um dos pastores e deputados federais da igreja afirmando que não se trata de ir contra a umbanda, mas que nenhum pai gostaria de ver um filho rolando no chão de forma medieval, e que era isso que “passavam gentilmente” aos seus fiéis.
Montes faz um levantamento histórico da trajetória de algumas religiões no contexto brasileiro. Diferencia, por exemplo, no caso dos neo-pentecostais e pentecostais com relação aos católicos e umbandistas, o fato daqueles possuírem representação política, através da chamada Bancada Evangélica.
Ao contrário do catolicismo, que herdou desde a idade média como um dos seus grandes o fato de manter-se independente ao estado, caracterizando―se como uma espécie de poder paralelo, ou, muitas vezes, como poder mais supremo que o do estado.
A tomada desse terreno pelos neo―pentecostais faz parte de toda uma série de inovações implantadas por estes desde o seu surgimento, em busca de clientela. A divisão dos 26,17 milhões de evangélicos, segundo censo 2000, é de, excetuando-se o numero de pessoas que não souberam responder é de cerca de 7 milhões (aproximadamente 20% do total de evangélicos) de pessoas entre os evangélicos tradicionais (igreja batista 3,2 – adventista, 1.2 – luterana 1.1 – presbiteriana 0.98) e aproximadamente 15 (aproximadamente 40%) milhões de pessoas entre:

IGREJA N. DE ADEPTOS (EM MILHARES)
Assembléia de Deus
8.5
Congregação Cristã no Brasil
2.5
Universal do Reino de Deus
2.1
Evangelho Quadrangular
1.3
Deus é Amor
0.775

TABELA 2 – DIVISAO DOS GRUPOS EVANGELICOS EM PENTECOSTAIS

Ou seja, dentre os evangélicos, a maior parte pertence aos pentecostais. Sobre a divisão entre pentecostais e neo-pentecostais, ou pentecostais renovados – categoria em que Costa-Rosa enquadra o Movimento de Renovação Carismática em sua tese de doutorado - cabem algumas considerações:
A primeira pentecostal foi a Congregação Cristã do Brasil, instalada nos idos dos anos dez do séc. anterior, concomitante à época em que missionários suecos em Belém/PA fundaram outra pentecostal, a Assembléia de Deus. O protestantismo, por sua vez, era então velho conhecido do catolicismo, fazendo-se presente no Brasil desde meados do séc. XIX e teve seu crescimento entrelaçado basicamente ao ritmo da imigração estrangeira e na formação de uma classe média urbana.
Após a segunda guerra mundial, Montes aponta para uma alteração nesse quadro, com o protestantismo procurando as massas, como com as ações missionárias financiadas pelas igrejas norte―americanas de “cura divina”, tais como a “Igreja do Evangelho Quadrangular”; “O Brasil para Cristo”; “Deus é Amor”, “Casa da Benção”, entre outras.
E aí que as igrejas pentecostais passam a incomodar a hegemonia do catolicismo no Brasil. Suas características de renovação da pregação do evangelho inclui: uso dos meios de comunicação em massa, com a locação de horários em estações de rádio e posteriormente sua aquisição, uso de tendas de lona itinerantes ou concentrações em praças públicas, ginásio de esportes e até estádios de futebol. E, sobretudo, a inovação com a proposta de cura divina para as doenças do corpo, da mente e da alma.
Já entre os caracterizados como neo―pentecostais estão a Igreja Universal do Reino de Deus, “Igreja Internacional da Graça de Deus” e a “Renascer em Cristo”, a partir da dec. de 70. Suas as inovações vão desde uma descentralização do seu poder hierárquico ― temos as igrejas desse grupo funcionando em esquema análogo ao das franquias ― passando por uma maior permeação das “curas divinas”, até o desenvolvimento daquilo que Montes chama de igrejas Eletrônicas.
O ataque destes às religiões de cunho afro―brasileiro é direto. Ocorre uma identificação da Umbanda com a obra do Demônio, e o Demônio o inimigo a ser batido. Até os dias atuais podemos encontrar matéria citada no Estado de São Paulo nos dá parâmetros quanto a isso. Os veículos de comunicação dessas igrejas também pregam esse tipo de rotulação do mal com os representantes do cultos afro-brasileiros, conforme apresentamos neste relatório.
Podemos verificar que essa estratégia é semelhante à utilizada pelos responsáveis pelas campanhas eleitorais de alguns candidatos que usam, via de regra, a difamação dos adversários como estratégia política. Ou ainda sustenta a paixão das torcidas de futebol: é de se supor que o amor dos gremistas pelo seu time não seria tão intenso caso não existisse um arqui-rival, Internacional, no caso.
Depois de abordar alguns aspectos conceituais do movimento neo―pentecostal, recorremos a Montes novamente para mapear a formação da Umbanda como religião no cenário nacional. Agregamos aqui alguns dos novos dados obtidos em pesquisa de campo:
Montes caracteriza como Candomblés, Xangôs ou Batuques o amálgama peculiar entre as distintas formas de religiosidade de nações africanas. Raul Lody[48] de fato diz que candomblé é uma denominação originária do termo kandombile, que significa culto e oração. “Este assume a função de manutenção de uma memória reveladora de matrizes africanas ou já elaboradas como afro―brasileiras, criadoras de modelos adaptativos ou mesmo embranquecidos ― nos casos em que a religiosidade brasileira oficial participa definitivamente desse sistema” (1987, p.10).
O candomblé é uma herança da presença da cultura africana no Brasil. O ciclo da escravatura trouxe cerca de quatro milhões de escravos africanos ao Brasil, ao longo do período oficial do tráfico, de 1551 a 1850. Os dados são estimativas apontadas por Lody. Foram os sudaneses orientais ― nagôs (iorubas) e jejes (fons), destacando―se dos demais africanos pela islamização desses e de outros grupos que ainda hoje habitam a região do golfo de Benin ― e os africanos austrias, destacando―se entre eles os bantos, divididos em muitos grupos étnicos, que ocuparam maciçamente o Brasil”. (1987. p. 11).
A fragmentação do candomblé em trechos, como os batuques e “calandus” eram vistas pelos senhores de engenho como divertimento, e eram toleradas nas senzalas. Suas práticas mágicas indissociáveis, contudo, eram vistas obviamente com menor complacência por estes e não tardaram a ser objeto constante de perseguição pelos visitadores do santo ofício, que as caracterizava como “lassidão moral que campeava a solta nas senzalas” (Montes, 1996, 94).
Em fins do século XIX, após a abolição da escravatura, essas práticas são alvo de um projeto civilizatório. As extensas reformas na capital federal, então no Rio de Janeiro, aliadas às políticas sanitaristas de caráter eugenista põe os terreiros de candomblé na mira do Poder Judiciário e da polícia. Suas práticas eram igualmente denunciadas como curandeirismo pela coorporação médica. (Montes, 1996, p. 94 e 95).
Na década de 30 do séc. anterior, com o movimento modernista influenciando o resgate ou a invenção de uma cultura brasileira, temos intelectuais como Aluísio de Azevedo, Euclides da Cunha, Jorge Amado entre outros, aliados aos modernistas (Mário de Andrade, Oswald de Andrade, etc), e ao historiador Gilberto Freyre lançando uma visão positiva da contribuição da cultura africana. Isto atraía a atenção da elite intelectual e de certos setores da sociedade.
A introdução do espiritismo também teve sua relevância na formação da Umbanda. De origem francesa, as obras de Alan Kardec ganharam respaldo na elite dos anos 30 e unida ao candomblé viria a formar o conceito da Umbanda como religião brasileira. Entre os tópicos desse entrelaçamento, podemos citar, ainda segundo Montes, a tentativa de comunicação com os mortos; a moral cristã da caridade; o reconhecimento do valor científico; a expurgação de “aspectos bárbaros do baixo―espiritismo” (a saber, macumba e quimbamba) e a dedicação a finalidades mais altruístas, de cura de doenças físicas e mentais, além do aconselhamento sobre problemas da vida pessoal, familiar ou profissional dos indivíduos.
Nos idos dos anos 40 e 50 a Umbanda ganha terreno entre os brasileiros, contudo seu crescimento não consta nos sensos. Montes aponta um certo receio por parte dos entrevistados em assumir essa religiosidade, o que fazia com que se denominassem como espíritas ou até mesmo católicos.
E só a partir dos anos 70 que ocorre um crescimento considerável da Umbanda no Brasil, com a sua regularização por parte da justiça. Inúmeros centros e federações de Umbanda passam a ser regulamentados, tendo registros em cartórios, não podiam ser mais fechados pela polícia, e, sua localização fadada a cidades como Rio de Janeiro, Recife e Salvador, se expande à cidades metrópoles, como em São Paulo.
Vale ressaltar que foi esse mesmo decreto que permitiu a prática de outras atividades religiosas da cultura brasileira, no caso em específico, a religião do Santo Daime.
Montes cita alguns fatores que facilitaram a adesão da Umbanda nos grandes centros, alguns vão de acordo com aquilo que definimos no capítulo introdutório como pertencentes ao mal―estar da pós modernidade, como a solidão, ou mundo sem referências fixas. Outros fatores englobam a influência da contra―cultura na busca de culturas exóticas e distantes, refletidas na Umbanda sobre a forma de uma versão doméstica do exótico (Montes, 1996, p. 99).
Outras considerações sobre a organização presente nas instituições de Umbanda, assim como nas do Candomblé, são as estruturas centradas na ordem do Privado. Ao contrário do que ocorre no catolicismo e nos pentecostais, não há hierarquia entre as mães e pais de santos dos diversos terreiros no Brasil. Suas estruturas de “parentesco” são respaldadas por rituais de iniciação afim de que se formem as conhecidas Famílias de Santo.
Dado número extremamente reduzido de referências bibliográficas a respeito do Santo Daime – a maior parte abordada tratava-se de experiências individuais com a ayahuasca, caso das obras do etnobotânico Terence McKenna, não pudemos esboçar seu panorama religioso neste relatório.
Quanto a um possível panorama do catolicismo no Brasil, dada sua complexidade e vastidão durante os cinco séculos de colonização, atravessando períodos desde o barroco, a disseminação jesuíta, etc, optamos por não esboçar nada nesse sentido.


4.2 – Relato de algumas observações de rituais das religiões demarcadas no projeto.
Nesta etapa do projeto as observações ficaram centralizas em uma instituição do Santo Daime e em outra Neo-pentecostal.

4.2.1. – Santo Daime.

A observação desse ritual se deu no dia 7 de maio de 2004, na zona rural de Assis em um local conhecido como “Rancho do Sossego”. Dadas diferenças das diversas formas de rituais daimisticos, consideramos que outras modalidades poderiam ser passíveis de analise, como esta, onde não havia um vínculo religioso pré-determinado, a orientação portanto era mais livre – dada o ecletismo religioso dos adeptos. De certa forma podemos categorizar esse ritual como “autônomo-liberal”, não estando vinculado a nenhuma instituição formal.
Em Assis até então os encontros do grupo estavam subordinados à vinda de um sujeito que exercia uma postura quase que xamânica na condução das sessões. Era ele quem trazia a bebida, entoava os hinários, boa parte deles compostas pelo mestre Irineu – no que se assemelha a facção dos daimistas católicos no Acre, passava por cada adepto ofertando qualquer ajuda durante o ritual, etc. Neste ritual não havia distinção de posições, homens e mulheres estavam misturados, no que se difere do último ritual observado, descrito no relatório anterior.
Também difere-se por não ter sido feito em um local fechado, pelo contrário, era de grande primazia do condutor que a sessão ocorresse em contato com a natureza, ao redor de uma fogueira; da mesma forma não eram utilizadas as fardas nem havia um controle tão rígido quanto os descritos pelos entrevistados que tomaram contato com a UDV (ver relatório anterior, capítulo da transcrição das entrevistas), como levantar a mão pedindo permissão para ir ao banheiro, etc.
As maiores recomendações eram quanto a preservação do silêncio. Freqüentemente era frisado que os índios cunhavam o termo ayahuasca como um sinônimo de aquietar-se, e que o trabalho a ser feito era individual, o que demandava certa dose de meditação.
Logo após o acerto da taxa no valor de vinte e cinco reais por parte dos adeptos, o ritual iniciou-se, primeiramente com uma corrente onde rezou-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria, com os adeptos em forma de ciranda, com as mãos entrelaçadas. O condutor da sessão pedia proteção às diversas entidades, denunciando um sincretismo religioso: era pedida desde a proteção da mãe Iemanjá e de outras entidades da Umbanda, até a proteção ao mestre Irineu – quem introduziu, ao que consta, a ayahuasca entre os homens brancos - passando pelo pedido de proteção ao mestre Osho[49].
Em seguida as pessoas, em número de aproximadamente trinta, formaram fila até uma mesa onde estava depositada a bebida e era-lhes distribuído um cálice pelo coordenador. Essa mesa tinha certos ornamentos que merecem certas considerações por suas possíveis implicações na simbologia do ritual: fotos do Mestre Irineu, imagem de Iemanjá, cristais, etc. A dose variava de acordo com o nível de envolvimento do sujeito no grupo, ou seja, uma pessoa que estivesse tomando o chá pela primeira vez bebia um cálice menor.
Após ingerir a bebida, cada adepto ganhava uma fruta, e se recolhia em seu lugar, já previamente agilizado, ao redor da fogueira – as pessoas trouxeram mantas, cobertores, colchões, etc.
Havia música boa parte do tempo, sendo entoada pelo próprio condutor da sessão e mais um ajudante, que o auxiliava tocando um bongô. Freqüentemente eram entoados “vivas”, como “viva a lua cheia!”, ou “viva a nossa festa!”. Os cantos, ou hinário, pareciam ter um papel importante na condução do processo. Muitos traziam mensagens como “sempre digo, não me engano, quem não cuidar bem de si, enrolado vai ficando”. Outros traziam mensagens que aludiam a maternidade – desde a mãe Iemanjá, passando pela Virgem Maria, e a Mãe Natureza. Várias vezes a força da floresta era entoada.
Na medida que o ritual ia se desenrolando, alguns participantes levantavam, freqüentemente ouvia-se o som de jatos de vômitos, segundo o que dizem parte da limpeza do organismo, bem comum entre os que tomam este alucinógeno tido como um elixir purificador do corpo, mente e espírito, e outros participantes cuidavam da manutenção do fogo – visava-se passar a noite toda no ritual, em volta da fogueira.
Outros tomavam outras doses, na medida em que fosse sentindo necessário. A reação dos adeptos – composto por um público relativamente formado de estudantes universitários – era a mais diversa. Um deles ficava enrolado num lençol, coberto o tempo inteiro, da cabeça aos pés, bastante encolhido; outros sentavam em uma posição iogue e contemplavam a fogueira, outros simplesmente pareciam estar dormindo.
As modalidades de êxtase envolvidas pareciam ser portanto muito peculiares: havia certo êxtase coletivo, com determinado hinário ou grito coletivo de vivas, mas havia toda uma atenção voltada para o processo individual de transe induzido pelo alucinógeno.
Sem dúvida nenhuma a maior “peculiaridade” se deu por volta da meia-noite, umas três horas depois de iniciado o ritual, quando subitamente ouviu-se um barulho muito forte de motores de carros, e um dos adeptos anunciou a chegada da polícia. De fato uma diligência enorme, com cerca de oito viaturas, cães ferozes, policiais de armas dos mais diversos calibres, abordou violentamente o local e revistou um a um dos adeptos, a maior parte deles surpreendidos durante o transe provocado pelo alucinógeno.
O que se viu foi um principio de pânico generalizado: pessoas choravam compulsivamente, outros pediam calma, outros pareciam estar estarrecidos. Em nenhum momento as autoridades policiais demonstraram qualquer gentileza ou respeito ao ritual religioso. Não foi feita nenhuma pergunta ao coordenador, nem apresentado nenhum mandado judicial.
A hipótese levantada posteriormente é a de que havia sido feita uma denúncia anônima de grande quantidade de entorpecentes entre os participantes do ritual, entretanto nada foi encontrado. A diligência durou cerca de uma hora, período no qual policiais femininas revistaram todas as mulheres, e os outros revistaram todos os homens, inclusive a mim, na condição de observador.
Delegados chegaram a acompanhar o processo, e ao que parece, pareciam instruídos quanto a legalidade do Santo Daime, tanto que em nenhum momento questionaram a ayahuasca propriamente dita.
Passado esse momento, os policiais finalmente se retiraram, sem atuar ninguém; apesar de o uso de Santa Maria – como os daimistas chamam a Cannabis Sativa ter sido feito em alguns momentos do ritual por alguns dos participantes, nada foi encontrado.
Ao que consta, a festa dos daimistas continuou a noite inteira, até ao amanhecer, sem maiores problemas.
Entretanto dado esse entrave, o grupo se dissolveu desde então, tendo sido aquela a última sessão que se teve notícia realizada em Assis. Vale salientar que o local escolhido para realização do ritual era uma espécie de rancho aberto ao público, com um bar que a hora do ritual estava fechado – não se tratava de uma propriedade exclusivamente reservada para esse fim. Ao que consta, as outras reuniões realizadas ao longo de aproximadamente um ano e meio, em Assis, foram feitas em fazendas especialmente reservadas.
Nos jornais do dia seguinte não constava nada a respeito da diligência.


4.2.2. Igrejas Neo-Pentecostais.

Observação realizada no templo central da Igreja Universal do Reino de Deus, em Assis/SP, no dia 27 de fevereiro de 2003.
Era uma sexta feira chuvosa, o culto já havia começado há alguns minutos quando adentrei no templo, com suas paredes, pisos e cadeiras inteiramente brancos, num cenário ofuscante iluminado por diversas lâmpadas fluorescentes brancas. Contrastavam apenas os diversos extintores de incêndio na cor vermelha dispostos nas paredes e o sistema de auto-falantes.
Entre os principais pontos observados, destaca-se:
Uma representação de uma porta, feita aparentemente com estruturas de isopor e coberta de papel laminado e cartolina preta, com uma corrente simbolizando sua interdição, feita toscamente com o mesmo papel laminado dourado. O pastor, ou um dos pastores, fazia algumas menções a ela, dizendo que no terceiro domingo do mês aquelas correntes seriam rompidas. Tratava-se do primeiro ato simbólico, entre os muitos utilizados por esses neo-pentecostais, com o fim de ilustrar partes condensadas do evangelho.
De fato o pastor dizia trechos bíblicos bem simplificados, onde citava o fato do personagem bíblico Davi ter rompido as portas de bronze e as correntes de ferro que o separava de Deus, e que os fiéis teriam a oportunidade de faze-lo no terceiro domingo do mês, dia 29, que se aproximava.
Entre o discurso da pregação, havia bastante ênfase ao aspecto financeiro, assim como no ritual observado anteriormente, descrito no relato anterior. Frases explicitavam isto, como: “às vezes nossa situação financeira está tão difícil que não conseguimos passar pelas portas”, ou ainda quando o pastor pede para que as pessoas que estivessem com problemas financeiros se levantarem, etc.
Chegou a ser encenada com os obreiros uma esquete teatral, em que o pastor ilustrava que ninguém gostaria de ser amigo de uma pessoa pobre. Na esquete, um obreiro representando um pobre ia cumprimentar o obreiro representando o rico, que lhe virava a cara. Analogias entre pobreza e força do demônio eram estabelecidas.
Alguns aspectos descritos na obra de Montes, e por Costa-Rosa em sua tese de doutorado, ambas citados nesse relatório pareceram ter correlatos reais, como aquilo que se refere a uma certa loteria por parte dos fiéis – ao que parece cria-se um aspecto simbólico onde o sujeito pode ser curado de qualquer mal, de acordo com a força da fé. E a força da fé, no caso, é medida pelo quanto o sujeito aposta, o quanto ele doa no dízimo, num jogo “de azar” semelhante aos cassinos ou loterias.
As intervenções nesse sentido são explícitas, como quando o pastor distribui envelopes e pede para quem tiver coragem de depositar cem reais, que o faça e se dirija ao altar para passar por um vale de sal – os obreiros havia espalhados duas fileiras de sal em uma região do altar. Ninguém o faz, o pastor então diz: “eu entendo que ninguém tem essa quantia aqui, mas se tivesse, quem teria coragem de dar?” Vários fiéis levantam a mão direita. “Aleluia, irmãos”.
Como em um leilão o pastor vai abaixando a oferta. Noventa, oitenta, setenta, sessenta reais e assim sucessivamente. Quando o pastor abaixa a oferta para vinte reais, quatro fiéis vão até a frente e fazem a doação. Conforme elas passam pelo vale do sal, todos obreiros presentes ficam em pé um de frente para o outro, com as mãos estendidas, formando um túnel semelhante àqueles que se vê em festas juninas, na dança da quadrilha, e vão rezando freneticamente enquanto os fiéis passam por baixo de suas mãos.
O pastor lança então um novo desafio: “eu quero aqui no altar doze pessoas que possam dar dez reais. Doze pessoas, em nome de Deus”. O primeiro é um senhor calvo, aparentando cerca de quarenta anos. Passa pelo referido túnel vibrando bastante, com as duas mãos, assemelhando-se muito a um torcedor compulsivo de futebol. Algumas pessoas foram, não chegou a doze o número delas, como queria o pastor, que então baixa a oferta para cinco reais. Em seguida libera o corredor para todos os fiéis irem.
O que se vê é um momento de êxtase, excetuando-se a mim, todos os fiéis vão e passam pelo corredor. O pastor passa então o microfone para diversos obreiros, a maior parte deles bem jovens, que se revezam em fazer pregações frenéticas nos mais diversos tons. O desenho da roda lembra muito o de uma roda de break ou hip hop, tão comum nas periferias de áreas metropolitanas: um obreiro vai ao centro, com o microfone, pregando, enquanto os outros ficam ao lado, orando “em off”. Cada um desfila sua perfomance, uns andando de um lado para o outro, outros parados, etc.
O ápice da sessão é quando o pastor retoma a condução e pede para que as pessoas voltem para o seu lugar e expulsem os demônios, pondo suas mãos na cabeça a fim de expulsar o demônio e gritam bem alto: “Saia, em nome de Deus”.
Esse processo todo levou cerca de hora e meia para ser concluído. Em seguida vem a transmissão de diversos recados. O que mais me chamou a atenção foi o pedido que o pastor fez para que todos os fiéis deixassem o número de seu título de eleitor na saída, com os obreiros. Mesmo sendo o início do ano eleitoral, de posse de dados como número de zona e sessão eleitoral, caso quisessem, os controladores da Igreja Universal poderiam mapear em uma espécie de senso quantos e onde poderiam estar os possíveis eleitores. Não é demais lembrar que a bancada evangélica é uma das que mais crescem nas diversas instâncias – federal, estadual e municipal.
Uma obreira vendia esfihas a um real, postas em uma caixa térmica, na saída do templo. Quando vou embora, escuto uma senhora perguntando se poderia pagar uma no domingo. “Pode”, respondeu a obreira.

4.3. Transcrição das entrevistas semi-estruturadas:
4.3.1 Freqüentadores de seitas Umbandas

Boa parte das entrevistas foram realizadas nas proximidades de um centro de Umbanda do Parque Residencial Marengo, bairro do Município de Itaquaquecetuba, periferia da grande São Paulo.
O contato com os sujeitos foi via indicação da mãe de santo T. coordenadora do centro e dos próprios sujeitos, tendo as entrevistas sido realizadas em sua maioria na casa dos entrevistados.
Duas das entrevistas foi realizada no município de Assis.
A exemplo do apresentado no último relatório, optamos por anexar os pontos mais relevantes das conversas em forma de tópicos.

G.V.S.C. 44 anos, sexo feminino.
Casada há 20 anos, veio com o esposo e dois filhos pequenos para São Paulo há 16 anos. Oriunda de Umãs/PE, teve mais um menino e uma menina em São Paulo.
Trabalha como empregada doméstica numa casa de família no bairro do Tatuapé, cumpre um deslocamento diário de 2 horas para ir e 2 horas para voltar, em um roteiro que inclui trem de subúrbio e ônibus.
De origem afro-brasileira, conta que seus pais sempre tiveram contato com benzedeiras e outras pessoas que recebiam o santo, em Umãs/PE. Resolveu procurar o centro no bairro do Marengo há 4 anos. Desde então vem seguindo uma rotina que demanda 7 anos até ela se tornar mãe de santo também.
Não soube dizer uma causa em específico que a motivou a procurar o centro. Entretanto conta que alcançou algumas coisas, como esse emprego que é fixo, bem diferente do serviço de diarista, onde, segundo ela, não há uma estabilidade.
Disse que o marido está começando a freqüentar o centro e a mãe de santo anda a lhe passar uns trabalhos para que consiga um emprego. Ele está desempregado há 2 anos e meio, só tendo feito “bicos”esporádicos como servente de pedreiro.
Conta que recentemente passou por um momento muito difícil com o falecimento da sua mãe em Pernambuco, que com muito esforço pode ir lá quando sua mãe tivera um derrame, e sente muito não ter podido ficar ao lado dela até a hora da sua morte. Teve que voltar para São Paulo para honrar seus compromissos.
Não quis entrar em detalhes quanto ao tipo das práticas adotadas no terreiro para curandeirismos, apenas disse que tudo é uma questão de se acreditar ou não.

F.A.C. 49 anos, sexo masculino.
Marido de GVSC, diz que foi algumas vezes no centro, fez alguns trabalhos, mas nunca quis seguir a fundo qualquer religião. Atualmente tem freqüentado com certa periodicidade num período de seis meses, aproximadamente.
Conta que sua esposa sempre o convidou a ir até lá, mas que depois que ficou desempregado andava sem motivação para nada, inclusive para procurar serviço. Disse que sua mulher sempre dizia que podia ser alguma força negativa encostada nele, e desde que passou a freqüentar tem notado melhoras.
Comenta com entusiasmo do bem que alguns banhos fazem, diz que ao pouco algumas oportunidades de serviço vão surgindo, está por ver um serviço como servente de pedreiro para trabalhar no interior por cerca de 15 dias. Segundo ele seria uma boa oportunidade, pois lhe pagariam bem, apesar dos dias afastados de casa.
Conta que quando conheceu sua esposa em Umãs/PE, algumas pessoas diziam para ele tomar cuidado, pois havia casos de pessoas na família dela adeptas a Umbanda, e as pessoas sempre viam aquilo como “coisa ruim”. Pensa que muito disso pode ser do preconceito de sua esposa ser de cor. Ele não é de origem afro-brasileira.
Diz que quase todo mundo que freqüenta o centro procura trabalhar alguma coisa específica. Fala bastante sobre fazer o bem às pessoas e do sofrimento que seus vizinhos passam. Refere-se a um caso de um filho do dono do bar que fora recentemente assassinado por uso de drogas (Conta que o rapaz esteve internado na Febem e era jurado de morte, que dois meses depois de ter saído os bandidos caçaram-no e o assassinaram com dois tiros na cabeça, e que a vida do dono do bar acabou desde então, por isso pede proteção para que seus filhos não se envolvam com drogas).

J. B. S. 39 anos. Sexo masculino.
Solteiro, freqüenta o referido centro há mais de 10 anos, de forma esporádica.
Disse que apesar de ter o dom de receber o santo desde menino, nunca quis se ordenar dentro da instituição, chegou a fazer alguns rituais, entretanto aparece por lá quando sente necessidade.
Cabeleireiro de profissão, possui um salão na região central de Itaquaquecetuba. Mora no bairro há muitos anos e conta ser vítima de todo tipo de preconceito, disse que já chegou a ir em outras religiões mas que na Umbanda é a única em que ele encontra aceitação.
Em seguida faz uma longa explicação sobre os orixás que regem as pessoas, diz que você pode ser mulher e ser regida por um orixá masculino e vice-versa, o que, segundo ele, é o seu caso. Conta que no plano espiritual não há as mesmas definições de homem-mulher que há na Terra.
Disse já ter tratado todo tipo de problema com a ajuda espiritual, desde uma gastrite que teve anos atrás, até dificuldades com um ex-sócio no seu salão de cabeleireiro. Fala não desejar o mal para ninguém, mas que há certas pessoas no mundo que merecem pastar; e que seu ex-sócio é uma delas. Conta trechos da desavença dos dois, segundo ele o ex-sócio sumiu e o deixou com boa parte das dividas do salão para serem quitadas, que foi um momento financeiro muito difícil, que pensou em largar tudo e ir para outro lugar, mas que conseguiu dar a volta por cima, vendeu seu carro, conseguiu pagar os empréstimos e que agora o salão vai “de vento em popa”, contou ser muito elogiado pelas clientes como um grande profissional e atribui isso ao seu dom divino e à sua força espiritual. Fala que os trabalhos o ajudaram muito a chegar onde está, com o salão sempre cheio, mesmo com tanta crise ao redor.
Refere-se também ao quanto a proteção espiritual o ajudou no caso de um assalto ocorrido no seu salão, em que os ladrões colocaram uma pistola em na sua cabeça e roubaram-lhe todo o dinheiro. Disse que isso foi num sábado, dia de maior movimento, quando ele estava para fechar e que momentos antes ele havia mandado um rapaz que o ajuda a pagar a conta de telefone e de luz, e que graças a isso o prejuízo não foi maior. Conta que nunca mais quer passar por essa experiência e que desde então faz uso de plantas que afastam o mal-olhado, como espada de S. Jorge, arruda, entre outras.

A.J.D.S. 34 anos, sexo feminino.
Moradora do mesmo bairro que os outros entrevistados, Parque Marengo, AJDS não freqüenta o centro do local, mas é iniciada na umbanda, passou pelo processo que dura sete anos de iniciação do santo.
Conta que sofreu um certo preconceito quando teve de raspar a cabeça, andava pelos ônibus e se sentia rotulada como macumbeira.
Fala das muitas divergências e fofocas que podem ocorrer em alguns centros, diz respeitar muito o trabalho feito no centro do bairro, mas que não vai lá por não se sentir bem. Conta que foi iniciada por um pai de santo que atualmente atua na região da baixada santista.
Bastante prestativa durante a entrevista, AJDS empresta-me revistas especializadas onde mostra-me a foto do seu pai de santo. Essas revistas, apesar de não serem um recurso midiático tão expressivo quanto um canal de televisão ou de radio, parece constituir-se num avanço da propagação das regiões afro-brasileiras pela mídia, a exemplo do ocorrido com os carismáticos e os evangélicos.
Discorre bastante sobre o poder da crença, fala que não tem preconceitos com outras religiões, que o importante é a pessoa acreditar em Deus. É habilitada a jogar búzios, por ser iniciada, poderia inclusive abrir seu próprio centro, mas diz não ter vontade de fazê-lo no momento. Fala bastante de como os orixás podem se manifestar no jogo de búzios.
E casada, mãe de três filhos, seu marido também freqüentava o centro do referido pai de santo.
Me convida para uma feijoada de agradecimento que a mesma realizaria em algumas semanas. Ao que parece essa feijoada seria uma espécie de rito próprio e autônomo que AJDS estaria fazendo, desvinculada ao centro do bairro. Isto vem atestar a categorização de anonimato dos centros de umbanda e candomblé, uma vez que sua administração e controle estão centralizados na figura do pai ou da mãe de santo, não obedecendo a nenhuma central – como nos meios católicos – nem atendendo ao principio das franquias das pentecostais renovadas.

T.B.M.S. 46 anos, sexo feminino.

Mãe de santo do terreiro do Marengo, recebeu-me em sua casa em um domingo a noite. Seu relato foi de certo modo difuso, entre outras coisas ela fez questão de tirar minha numerologia, anotando dados meus, como data de nascimento, etc, apesar de explicar-lhe os propósitos de minha ida até sua casa e as diretrizes teóricas do referido projeto de pesquisa.
Conta que tem uma loja de artesanatos, me entrega um panfleto com o endereço da loja que é batizada com o nome de um orixá. (Mi ofá presentes)
Atem-se em explicar-me alguns princípios dos orixás, como o fato de toda a pessoa ser regida por um, etc. Diz que só em bater o olho em mim sabia qual que era o meu, mas que se eu quisesse saber teria de fazer uma consulta.
Diz que não deseja o mal pra ninguém, que há centros onde as pessoas trabalham com coisas ruins, desejando coisas ruins para outras pessoas, mas que ela não gosta de fazer esse tipo de trabalho. Que freqüentemente assiste às pessoas que a procuram, quer seja com um prato de comida, quer seja com consultas gratuitas nos búzios ou em outras atividades.
Quanto às motivações iniciais que a levaram a freqüentar centros e se iniciar, histórico familiar, etc, TBMS é bem evasiva, não cita nada a respeito, apenas fala do quanto ela não procura ganhar dinheiro com o centro, que o ganha pão dela é sua loja de artesanatos montada com uma sócia, e que graças a Deus nunca lhe faltara nada, pois ela está sempre ajudando as pessoas.
Cita também que toda mulher que com que o homem se deita passa a ter uma parte dele, que é como uma mãe, e essas coisas vão prevalecer por toda a vida.

C.N.F. 21 anos, sexo masculino[50]
Seus pais são adeptos de um centro de umbanda nas proximidades do Parque Universitário, em Assis. Começa contando que muitas pessoas não acreditam quando menciona sua religião, por ser branco e de classe média. Ficamos um bom tempo conversando sobre a idéia que as pessoas em geral tem, de a umbanda ser uma religião marginalizada.
Conta que é bastante comum, apesar do centro ficar em periferia, aparecer pessoas de diversas classes, como candidatos a vereadores, comerciantes, etc. Cita alguns exemplos de pessoas conhecidas em Assis que procuraram o centro.
Fala que no seu caso o processo foi mais natural, pois seus pais, comerciantes da cidade, passaram a freqüentar o centro após uma grande crise financeira, quando ele ainda era pequeno, e desde então ele vê tudo com mais naturalidade.
Seus pais não são iniciados (não fizeram o período de “seguir no santo”, composto por 7 anos), e ele por enquanto não pretende ser também.
Conta que sua assiduidade é mais esporádica, que na primeira vez que foi, quando tinha 17 anos, sentiu certo medo, mas depois conversou bastante com os pais.
C.N.F. trajava uma camiseta com o desenho de vários orixás quando a entrevista foi feita.
Disse que sua demanda inicial é mais proteção mesmo, que sempre está jogando bola e que não gostaria que alguma coisa desse errado. Quando criança teve um problema no menisco (músculo do joelho), segundo ele foi curado pela própria medicina, pois a época os pais até queriam leva-lo para o centro para benzer, mas ele sentia bastante medo. Nota-se uma certa contradição nesse aspecto do seu depoimento, uma vez que no inicio ele cita que seu processo foi mais natural, por influencia dos seus pais.
Dá um certo panorama de alguns centros que há em Assis, e, bastante gentil, se oferece para me acompanhar a algum deles.

V. F. N. 44 anos, sexo masculino[51].
No momento V.F.N. disse não estar indo ao centro com freqüencia. Mas conta que já foi muitas vezes. Ele é proprietário de um bar na região central da cidade, de onde concede o seu depoimento.
Conta que já viu e viveu bastante coisa nessa vida, e que o centro foi o único lugar onde pode se sentir à vontade para conversar com Deus e as instancias divinas. Diz que está sempre pedindo proteção para tocar o seu comércio, o que ele faz com muito amor, segundo o que diz. De fato seu estabelecimento parece ser bem cuidado. Há aquário, diversas plantas, algumas das quais “de poder”, segundo ele, como pimenta, “comigo ninguém pode”, espada de são Jorge, etc. Passarinhos diversos ornamentam as paredes, postos em gaiolas, e ele passa boa parte do tempo explicando a origem de uma pinga que ele mesmo deixa curtir, em diversas ervas e raízes. É nesse momento que fala da sua homossexualidade, de modo bem-humorado, quando faz um trocadilho “pra fazer essa pinga tem que entender de pau” – referindo-se as raízes nela contida.
Em seguida entra na questão que nenhuma religião aceita homossexuais, que vêem isso como uma patologia, mas que na Umbanda tudo é muito relativo, e a exemplo do depoimento de J.B.S. citado acima, fala da regência do orixá, que pode ser tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino.
Conta que já viu pessoas fazerem trabalho pra diversas coisas, que o mais comum é amarração, mas que no seu caso nunca fez, porque nunca quis se prender a ninguém. Vive bem solteiro, segundo ele, é a forma mais adequada.
Diz que passa bastante tempo em seu estabelecimento, que ali é sua janela para a vida, que está sempre observando as pessoas que entram no terminal de ônibus, e sempre travando amizades com os freqüentadores. Fala também que tem prazer em exercer a sua função, como quando prepara, por exemplo, uma porção de peixe. Atribui esse cuidado a sua filiação à Umbanda, segundo ele, há mais de 15 anos. Diz que desde então passou a entender seu serviço como maneira de fazer oferendas aos orixás e as pessoas que freqüentam seu bar.
Conta que a morte do pai foi um evento marcante em sua vida, quando ele tinha apenas 9 anos, e volta a história da porção de peixes dizendo que espera sempre fazer algo de bom para os vivos, que o mundo é para se viver da melhor maneira possível, pois a morte é certa e repentina.

4.3.2. Freqüentadores de pentecostais renovadas.
Parte das entrevistas foram realizadas no município de Assis, e outra parte na mesma região periférica de São Paulo, o Parque Marengo de Itaquaquecetuba. Dada certa estereotipia de algumas neo-pentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus, bastante abordada inclusive em um dos referencias teóricos que norteiam esse projeto de pesquisa, procuramos conversar com pessoas adeptas de outras pentecostais renovadas.



G. M. D. 36 anos, sexo feminino.
Trabalha como caixa em uma padaria de Assis. Frequentaa a Casa da Benção, uma pentecostal que, segundo conversa com Costa-Rosa, durante orientação, teria sido originada de um desmembramento da Universal do Reino de Deus. No município de Assis esta igreja é conhecida por possuir um out-door na sua porta anunciando a vinda de diversos pregadores, desde pessoas que foram curadas do vírus da AIDS e viraram missionárias, até pastores de outros lugares da América Latina. Atualmente consta no out-door a seguinte mensagem: “Entra e receba uma oração, independente da sua religião”.
G.M.D. conta que já foi em diversas igrejas, que um dia viu a placa ali e resolveu entrar, pois estava muito debilitada por estar vivendo um momento de separação conjugal. Isso foi há 11 meses. Conta que sentiu uma empatia muito grande pelo pastor, que dedicou muito tempo conversando com ela, principalmente sobre o seu marido. Desde então ela passou a entender a traição como a tentação do demônio, que está sempre fazendo com que as pessoas tenham mais ambição. Cita o exemplo do carnaval, que segundo ela, é uma festa do demônio para que as pessoas sintam “gula de sexo”.
Conta que depois de separada não quer mais se envolver com ninguém. E diz que não é por falta de oportunidade, pois freqüentemente encontra pretendentes. Tem duas filhas, uma de 8 anos, outra de 5. Diz pensar bastante nelas.
Ao explicar o motivo da entrevista e falar o curso que faço, GMD, conta que uma vez o ex-marido, alcoólatra, chegou a agredi-la fisicamente, que isso perturbou bastante uma das meninas, a mais velha, que inclusive está fazendo tratamento psicológico na Unesp. Conta que chegou a ir procurar psicoterapia na Unesp uma vez, mas que com ela foi bem diferente, fala que a pessoa, um rapaz, ficava só sentado, igual a uma múmia, não falava nada, e que pra ela não foi nada bom. Mas que para sua menina parece estar sendo proveitoso, ela fica brincando com a psicoterapeuta e isso tem distraído bastante a cabeça dela – conta com essas palavras.
Em seguida volta a falar do pastor, da forma como ele prega o evangelho, que ela anda lendo bastante a bíblia, e que isso tem feito bem pra ela, que o ser humano sempre precisa de consolo espiritual.

C.F.T. 31 anos, sexo feminino.
Freqüenta, no município de Assis, a pentecostal Igreja da Graça do Reino de Deus, do missionário Davi Miranda, bastante conhecido por conta do horário que detém na tv aberta.
É casada há três anos, conta que seu marido trabalha bastante e que quando chega em casa vai direto pro computador para trabalhar ainda mais, que isso a faz se sentir sozinha.
Diz não ter nenhuma demanda especifica, nem de cura, nem de suporte psicológico – usa essa expressão. Que o seu negocio é ir mais lá para se distrair mesmo, conversar com algumas pessoas e ouvir partes da bíblia.
Sua família é de origem católica, seu pai italiano, segundo ela sempre foi bastante rígido, principalmente com religiões. Sua mãe freqüenta igrejas católicas até hoje, ela chegou a ter a formação de catequese e crisma, mas uma amiga dela a levou nessa igreja e ela pode se sentir melhor.

M.M.B.T. 53 anos, sexo feminino.
Freqüenta a Igreja Universal do Reino de Deus há dois anos.
Disse que sempre procurou Deus em outras religiões, que chegou a freqüentar outras igrejas evangélicas como Paz e Vida, Renascer em Cristo e Assembléia do Reino de Deus. Fala bastante da diferença entre elas, no quanto a Assembléia exige uma certa postura de roupas e tudo mais e o quanto as outras são mais liberais. Fala o quanto lhe fazia bem cantar e bater palmas com a Paz e Vida, mas que uma amiga a levou a I.U.R.D. do município de Itaquaquecetuba – mais próximo de sua casa – e que lá ela gostou, se batizou e também pode cantar e bater palmas.
Disse que esta sempre pedindo pra Deus, quando não é no campo financeiro, é no campo espiritual. Fala que sofria de erizipela e que fez uma corrente de orações que a curou.
É casada, seu marido tem 62 anos, aposentou-se por uma firma no ramo das borrachas. Mora com ele em uma casa do bairro do Marengo, em Itaquaquetuba, é mãe de duas filhas, todas casadas. Tem 3 netos. Diz que ser vó é uma benção, como ser mãe pela segunda vez, e que adora muito os seus netinhos, está sempre pedindo a Deus pela sua saúde.

B.V.H. 17 anos, sexo masculino.
Freqüenta a I.U.R.D. do bairro do Marengo, em Itaquaquecetuba, há mais ou menos um ano e meio. Chegou a Igreja trazido pela sua mãe, que a freqüenta há mais de dois anos.
Trabalha como Office-boy em um escritório de contabilidade no bairro da Aclimação em São Paulo e estuda à noite, cursa o primeiro ano do ensino médio em uma escola do bairro. Conta que muitas vezes perde a primeira aula devido a demora no trajeto, que raramente tem tempo para passar em casa para jantar, apesar da escola ficar há poucas quadras de sua casa.
Conta que por isso só vai à igreja nos fins de semana, que gostaria de ir mais, para fazer outras correntes, mas que indo no fim de semana já se sente mais aliviado. Disse que atualmente está fazendo a corrente do amor, conhecida também como terapia do amor, e que há vários jovens fazendo o mesmo grupo de oração com ele e que ele espera em breve encontrar uma “namorada ideal”, com quem quer ter um compromisso sério.
Disse que sua vida mudou bastante quando passou a frequentar a Igreja, porque antes não tinha muitos amigos, e que o pessoal da sua escola estava se envolvendo com maconha e que por isso sua mãe não o deixava sair muito de casa. Desde que ele passou a frequentar a Igreja sua mãe pode ver quem eram seus amigos em Cristo e dar mais confiança a ele. Hoje sai aos sábados com o pessoal, comem pizza e ele esta aprendendo a tocar violão.
Conta que foi inclusive um irmão do pastor quem lhe arrumou serviço. Perguntado se gostava do que fazia, B.V.H. disse que sim, que o difícil era o transporte e acordar cedo, mas que recebia e podia ajudar em casa, comprar roupas, entre outras coisas.
É filho único, mora com a mãe, o pai saiu de casa quando ele tinha 7 anos.

I.V.B. 42 anos. Sexo masculino.
Freqüenta uma igreja pentecostal renovada chamada Vaso do Oleiro há dois anos e meio, pouco depois de ter chegado a São Paulo.
Natural de Vitória, ES, trabalha como representante comercial. Ocupa dentro dessa igreja relativamente pequena no cenário das pentecostais o cargo de pastor.
Inicialmente debate intensamente sobre o motivo da entrevista. Questiona a pesquisa e suas ligações com Deus, questiona se “todos na academia são ateus”, entre outras coisas.
Em seguida faz referência a como é difícil trabalhar em uma igreja pequena, conta a luta para conseguir uma mesa de som de 4 canais utilizada durante as celebrações além de outras coisas básicas, como microfones, etc.
Conta que deseja muito voltar a sua cidade natal, que está por averiguar umas decisões e provavelmente voltará em questão de meses. Reclama bastante da rotina do bairro, compara-a com Vitória e fala que lá a vida do pobre é melhor do que a vida do pobre daqui.
Faz algumas queixas de sua situação financeira, conta que seu salário é comissionado e que ora muito a Deus por um bom mês de vendas, coisa que não acontece faz certo tempo. Conta que sua esposa tem se dedicado muito ao seu lado, como verdadeira companheira, tanto na igreja (ele não informa que posto ela ocupa, apenas menciona que freqüenta os cultos e o ajuda) quanto na vida doméstica (ela faz macãs-do-amor para vender na vizinhança).
Pai de dois filhos pequenos, um de 6 anos e uma garota de 4 anos. Diz esperar dar uma boa educação para seus filhos e vê que ali onde mora é cada vez mais difícil alcançar esse objetivo. Repete mais de uma vez que quer dar aos filhos oportunidades que ele nunca teve.
Perguntado sobre a origem de sua igreja, não responde muitas coisas, restringe-se a informações do tipo o quanto pode ser mais proveitoso evangelizar ao lado de poucos, porém com mais intensidade, do que em igrejas onde as pessoas mal fazem leituras da bíblia.

D.A.R L. 41 anos, sexo feminino.
Freqüenta em Assis a Igreja Universal do Reino de Deus há 7 anos. Antes freqüentou a Congregação Cristã no Brasil.
Trabalha na agencia bancária da Caixa Econômica Federal, onde ocupa o cargo de gerente de atendimento. Diz gostar de seu trabalho, apesar de todo estresse; freqüentemente tem de dar entrevistas às rádios locais e isso a agrada muito, pois se diz uma pessoa bastante comunicativa.
Fala que procura em Cristo inspiração para o seu trabalho. Que às vezes é muito difícil se relacionar com os seus subordinados, que parecem não entende-la. Faz constantes orações por eles.
Casada, mãe de duas filhas adolescentes, também freqüentadoras da igreja, mostra sua preocupação quanto a educação destas, diz esperar dar o melhor, aquilo que seus pais não puderam lhe dar.
Perguntada sobre o que motivou sua migração da Congregação para a Universal, D.A.R.L conta que se indispôs com a comunidade que freqüentava, por conta de desavenças pessoais. Encontrou acolhimento que julgava adequado no seio da Universal, além de dizer que mudou sua postura com relação às praticas da Cristã no Brasil, principalmente quanto ao voto de manter o cabelo comprido.
Diz que não se incomoda com a imagem que a Universal tem na mídia, porque acha que muito do que falam a respeito é preconceito, que ninguém na verdade procura ir lá dentro ver o quão honestas são as pessoas, a maior parte delas trabalhadoras em busca de algum consolo espiritual, como ela.
4.3.3 Movimento de Renovação Carismática –

Z.N.F. 82 anos, sexo feminino[53].
Disse sempre ter sido católica, e que passou a freqüentar o grupo de renovação carismática em sua comunidade quando desde este surgiu.
Está sempre envolvida nas tarefas da igreja, disse ser respeitada por todos na comunidade por causa da sua idade e da sua lucidez, conta que já leu em toda sua vida milhares de livros, seus favoritos são os policiais, ou livros cujo tema é da segunda guerra mundial.
Diz que esta geração não viveu o pesadelo de uma guerra, que não sabe o quão terrível foi Adolf Hitler, perseguindo e matando os judeus, e que os americanos ajudaram muito o mundo exterminando o exercito nazista.
Conversa bastante sobre política e atualidades, defende a invasão americana no Iraque e diz que se os Estados Unidos não tivessem barrado Sadam ele seria o novo Hitler.
Faz um longo relato sobre suas atividades na igreja, que vão desde escrever todas as atas das reuniões semanais da legião de Maria, (mostra-me o caderno de atas) até a fazer comentários dos textos bíblicos nos grupos de orações. Conta um episódio de como foi afastada dessa parte por um padre novo ou ministro que entrou no grupo, e que ela sente muito por isso, pois segundo ele seria necessário ser portador de um curso para ajudar na homilia, e como uma senhora como ela poderia correr atrás de cursos naquela altura da vida, que já não lhe bastavam os livros que lera e tudo mais.
Trabalhou como professora, entretanto aposentou-se pelo fundo rural. Seu marido morreu há quase vinte anos, desde então mora sozinha em uma casa cedida por um parente. É sócia “preferencial” da biblioteca municipal de sua cidade. Conta com o auxilio de uma cunhada que todas as manhas a ajuda nos afazeres domésticos.
Conta estar bastante deprimida, faz uso de Lexotan, (não freqüenta psiquiatras nem faz acompanhamento terapêutico, é seu clinico geral quem lhe receita os medicamentos), sente muito pelos filhos, uns distantes, outros que não conseguiram se erguer na vida. Sente-se abandonada pelos netos e conta que sua única companhia é seu fiel gato de estimação, Aparício. Fala dele com bastante ênfase, como se fosse um ente da família.


M.G.M 20 anos, sexo masculino.

Freqüenta o grupo de renovação carismática a aproximadamente dois anos na comunidade da vila Gloria em Assis, SP.
Conta que sua família sempre o incentivou a ir a missa, a mãe era muito católica e devota da legião de Maria. Tinha o hábito de fazer novenas, e ele conta que sempre teve interesse.
Aos 9 anos começou a fazer o catecismo e a cantar no coral da igreja. Via as coisas com certo deslumbramento, e conta que por conta da catequese a presença na missa dos jovens de domingo de manhã era obrigatória.
Aos 14 anos fez crisma. Vai relatando sua trajetória segundo certa ordem cronológica. Conta que foi durante a crisma que tomou o primeiro contato com o movimento da renovação carismática, mas conta que manteve-se afastado da igreja por um tempo por conta de uma desavença com o padre.
Retomou a freqüência na igreja há três anos, segundo ele, motivado pela incompatibilidade com os valores dos seus amigos de escola, na qual ele não se adaptava. Conta que era bastante tímido e “zoado” pelas pessoas, por conta de sua obesidade, que na verdade ele sentia falta de Deus, e ao voltar para a comunidade o cenário ou “tempo institucional” era outro, havia um padre mais jovem e ele pode reatar antigas amizades com o pessoal da crisma que então lhe convidaram para participar do movimento da renovação carismática.
Encerra a entrevista questionando minha religiosidade, dizendo que é muito importante que alguém possa “seguir firme em uma religião”.

T. N. R. 43 anos.
É professora, dá aulas em duas escolas, uma estadual e outra particular, ambas para o ensino fundamental. Freqüenta o grupo de renovação carismática na região do Campo Limpo, periferia de São Paulo.
Diz ter tentado rezar muitas vezes em casa mas que sentiu a falta de ir a igreja, pois isso lhe garantia uma certa assiduidade no que diz respeito a conversar com Deus. Fala também que o seu conhecimento da bíblia anda se aprofundando por conta disso, que em casa não tinha muita motivação para ler os livros sagrados.
Conta que em geral sua rotina é deveras estressante com os alunos, não só por conta da indisciplina, quanto pelas injustiças sociais que acaba presenciando. Conta por exemplo o caso de um de seus alunos da escola estadual que certa feita andava triste, e em uma conversa revelou que seu irmão mais velho estava na Febem. Por tudo isso, disse que precisava fazer algo, e como não pode mudar o mundo, como deveriam fazer os políticos, achou que deveria rezar.
Disse não ver tantas distinções entre o movimento da renovação carismática e as outras divisões do catolicismo, que, por exemplo, em sua terra natal, Itabuna/BA, é muito comum o uso de novenas, e festas de folia de reis, coisas que aqui parecem estar caindo o uso. E que nesses grupos o fervor religioso independe da facção do catolicismo. Mas que mesmo assim prefere esse grupo pela qualidade das musicas e da fé que as pessoas tem. Disse ter assistido e ouvido falar em vários atos de cura através da fé. No seu caso, considera mais importante rezar para ter forças no trabalho.
Sua constituição familiar é a seguinte: casada, mãe de duas filhas, uma de 19 anos que pretende prestar vestibular para historia, e outra que está se formando em psicologia. Seu marido trabalha como funcionário publico da prefeitura municipal de Taboão da Serra, na região da grande São Paulo. Disse estar rezando bastante para que sua filha mais nova passe no vestibular. Por dois anos anteriores ela havia tentado entrar na USP, sem sucesso.

A M A, 62 anos, sexo masculino.
Freqüenta o grupo de renovação carismática na comunidade de Vila Gloria, em Assis. É aposentado, atualmente dirige um estacionamento no centro da cidade. Casado, pai de dois filhos e uma filha, todos morando fora. Conta que depois que se aposentou como funcionário publico sua vida ficou muito vazia, passou a beber mais e ficar jogando dominó com os amigos no bar. Teve um enfarte há dois anos e desde então passou a aceitar os conselhos de sua mulher, de se reaproximar com Deus e então voltou à igreja, dessa vez no movimento da renovação.
Disse que é como se Deus tivesse lhe dado uma segunda chance, que desde então passou a se preocupar com coisas concretas, tomou a iniciativa de tocar o estacionamento em uma propriedade de um de seus irmãos e tem, segundo ele, surtido efeitos, pois é uma forma dele estar se sentindo vivo, trabalhando, tomando contato com as pessoas.
Conta que em sua idade não há mais tempo para lamentações, o que ele pode fazer é aproveitar os dias de vida que lhe restam, por isso a igreja tem tido um papel fundamental, pois segundo ele no grupo de renovação carismática as pessoas tem muita vida, muita fé nas coisas boas, e isso contagia. Fala com certo carinho das pessoas do grupo, cita nomes e se oferece para intermediar algumas outras entrevistas, caso seja preciso para o meu trabalho. Mostra-se bastante prestativo e seu semblante parece bem animado.
Entre as mudanças que pode sinalizar está um maior contato com sua mulher. Fala se dirigindo a mim que as pessoas em minha geração não tem mais noção do que é um casamento, que mal consomem um quilo de sal e já querem o divorcio, usa esse exemplo para falar que um casamento bom é aquele em que uma saca de sal é consumida. Explica que uma saca tem 60 quilos e que ele está casado há 33 anos. Então volta a se referir nas coisas que mudaram em seu relacionamento, que agora procura ser mais companheiro, pois valoriza muito o fato de estar na velhice – usa esta expressão – e ter tido alguém ao seu lado para socorre-lo quando mais necessitava. Disse que antes, por exemplo, criticava muito a sua mulher por ficar assistindo aos programas da tv nova canção[54], mas que agora compreende melhor, reconhece a importância da evangelização feita pelo canal, apesar de manter sua posição que o lugar de encontrar Deus é na casa de Deus.

C. C. N. A 57 anos, sexo feminino.
Esposa de A M A, freqüenta a mesma comunidade da Vila Gloria há 8 anos, aproximadamente. Conta que conheceu o movimento por conta de indicação de pessoas, que conseguiu trabalhar bastante um problema de reumatismo com a fé, e que curas realmente acontecem.
Fala da importância das suas orações quando seu marido teve um enfarte, remonta a cena do ocorrido com muitos detalhes que resolvemos omitir nesses relatos, exceto o fato dela estar sozinha e ouvir o barulho do marido caindo no chão do banheiro. Disse que na hora só conseguia pedir a Deus para que não lhe tirasse seu esposo. Conta que sabia que isso ia acontecer, pois ele havia ficado bastante triste desde que se aposentara.
Cita também a saudade dos filhos que moram longe, sua filha casou-se e mora em São Paulo com o marido, só vem visitá-los em datas festivas e que ela não suporta o ritmo frenético de São Paulo para ir visitá-la. E que seus outros dois filhos estão estudando fora, um em São Carlos, outro em Londrina, que pede muito a Deus para que lhe de forças para ver os dois se formando, porque, segundo ela, formar os filhos é uma das maiores felicidades que uma mãe pode ter.
Bem mais introspectiva, não revela tantas coisas quanto o marido, apesar da conversa ter sido feita com os dois em momentos diferentes, ela cita que ele deve ter comentado todas as mudanças na vida dele, por ter parado de fumar, por exemplo. Atribui muito disso às suas orações e correntes com Deus.

A P 29 anos, sexo masculino.

Freqüenta a comunidade da Vila Gloria em Assis. Foi ao grupo de renovação carismática trazido pelo seu pai. Freqüenta o programa de reabilitação em saúde mental no município, junto com sua irmã. Seu pai concedeu uma entrevista no ultimo relatório do projeto de pesquisa.
Conta que desde pequeno teve problemas da cabeça, que seu pai o levou em vários lugares, quando moravam em Guarulhos/SP. O pai largou o emprego de vigia e veio para Assis, desde então A P freqüenta o grupo.
Disse que gosta muito de cantar e que se sente melhor. Seu depoimento é em geral bem evasivo.

4.3.4 Freqüentadores do Santo Daime.

Só foi possível realizar 6 das 7 entrevistas previstas para esse segundo terço do projeto de pesquisa. Somando-se às 7 entrevistas do relatório anterior, chega-se próximo do universo de dois terços das 20 previstas inicialmente, de modo que consideramos ser essa amostra suficiente para tecer algumas reflexões.
Conforme panorama já traçado no decorrer dessa pesquisa, há de fato pouquíssimas referencias bibliográficas com relação a esta modalidade de religião. Basicamente há duas grandes seitas, uma delas a UDV, União do Vegetal e outra que segue os princípios do Mestre Irineu, mais intrínseca ao catolicismo.
Conforme pudemos apurar, principalmente através dos depoimentos, é no estado do Acre em que estas seitas vinculadas ao catolicismo tem mais representatividade. Optamos, a exemplo do ocorrido com os neo-pentecostais, em não direcionar a origem dos sujeitos entrevistados a uma das seitas em especifico. Com isso pudemos abordar outras modalidades de consumo dessa planta e com os seus fins religiosos, que vão desde usos em rituais menores, conduzidos por uma espécie de xamã, até a outros que tem uma abordagem mais auto-gestiva do consumo desse alucinógeno.
Entre os sujeitos entrevistados, a maior parte fez uso da bebida na cidade de Assis, por conta de um intermediário ou líder espiritual que trazia o alucinógeno e realizava sessões mediante cobrança de determinado valor em dinheiro. Abordamos com maiores detalhes esses rituais no capitulo destinado à sua descrição.
Em uma visita ao Uruguai, pude conversar inclusive com um adepto do Santo Daime local. É esse depoimento que abre as narrativas das entrevistas.

J. P. G. 28 anos, sexo masculino.
Uruguaio, J. P. G. assim que soube que eu era brasileiro, perguntou-me se conhecia o Santo Daime. Contei-lhe do referido projeto e perguntei se ele aceitava conversar a respeito.
Disse que conhece o Santo Daime há uns 4 anos, que há um local onde a seita é praticada no Uruguai, na periferia de Montevideo, em uma área verde próximo ao Rio de la Plata. Conta que a religião é a inspirada na facção do mestre Irineu, as pessoas tomam a bebida fardadas, como acontece principalmente no Acre. Disse inclusive que em suas próximas férias estará realizando uma visita a Amazônia brasileira para conhecer a preparação da bebida.
Conta que a ayahuasca mudou muitas coisas em sua vida. Diz ser gritante o relacionamento que se tem com Deus, a aproximação com o cosmo e o entendimento mais amplo de nossa função [humana] na Terra. Faz explanações filosóficas, relacionando a humanidade ao mesmo elemento que originou-se da explosão do big bang, ou o quanto cada pessoa representa uma partícula do universo.
Segundo ele o grupo que faz uso da bebida no Uruguai é bastante heterogêneo, que vão desde adolescentes às pessoas mais velhas, de ambos os sexos, e que isso proporciona uma força muito grande durante as sessões.
Conta que entre as coisas que mudaram em sua vida está a capacidade de relacionar-se melhor com o cotidiano, de ver que tudo que vivemos não passa de uma pequena fração do que é realmente a existência da alma. Fala da morte como se fosse um momento em que alcançaríamos a plenitude universal. Aponta essas como as mudanças mais significativas, e que por conta disso, paralelamente ocorre outras mudanças.
Como, por exemplo, as relacionadas, em seu caso, ao campo de trabalho. Antes trabalhava em um serviço burocrático, que não lhe dava prazer e agora trabalha como vendedor em uma loja de livros – local onde foi feita a entrevista – no centro de Montevideo. Esse trabalho, segundo ele, lhe possibilita um contato muito maior com as pessoas e um aprendizado sobre parte do que há de escrito na cultura mundial. Fala que devemos valorizar cada partícula da vida, que cada obra de cada autor tem seu valor, ainda que uma só pessoa no mundo leia. Segundo ele essa produção de conhecimento é sempre recompensada de uma forma ou outra. Insiste para que lhe envie o relatório final do projeto de pesquisa.
Conversando sobre a dificuldade de material bibliográfico a respeito do Santo Daime, ele aponta que há alguns escritos espalhados, mas que a maior dificuldade está em descrever algo que é totalmente indescritível. Aponta a ineficiência das línguas, quaisquer que sejam elas, espanhol ou português, de dar tradução a uma experiência que transcende os limites do observável.
Procura extrair informações a respeito do consumo da bebida em São Paulo, diz estar muito curioso por sua visita a Amazônia e defende o poder do homem da terra, o índio, como ideal de sociedade. J.P.G. cursa Ciências Sociais na faculdade local.

E. P. A . 30 anos, sexo masculino.
Conhece a bebida do Santo Daime há aproximadamente três anos. Costumava toma-lo por conta da referida figura que fazia expedições em Assis. Entretanto já esteve em uma reunião da União do Vegetal (UDV) na cidade de Londrina/PR.
Explica as diferenças dos rituais. Enquanto que em um ritual mais próximo da auto-gestão, como o que ocorre em Assis, onde não há necessidade de farda ou ritos simbólicos mais intensos – como a separação de rapazes de um lado, garotas de outro; uso de fardas, etc – pode-se usufruir de um contato maior com a mãe natureza. Em Assis as sessões são em áreas livres, durante a noite, e segundo ele, é dessa forma que os índios a tomam, na mata. Conta que na UDV, além de ser realizadas sessões em locais fechados, há uma série de regras, como por exemplo, a de levantar a mão antes de ir ao banheiro, para pedir permissão para o condutor da sessão. Em seguida fala do processo de limpeza da planta, onde quase sempre ocorrem vômitos em jatos. Segundo ele, quando se tem de pedir permissão para ir ao banheiro fazer limpeza, ocorre uma violência com o corpo, que a idéia do Daime é justamente essa, pode colocar-nos em contato com nossa porção mais institiva.
Entre as coisas que segundo ele mudaram em sua vida, está sua relação com as drogas. Antes, segundo ele, sentia uma certa compulsividade pela cocaína, que seria uma substância que só tira coisas dos nossos corpos, não acrescenta nada. Hoje passou a ver a importância do corpo, como sendo a casa de nossa alma.
Conta que houve melhoras diversas, desde o campo da sexualidade, até no campo da concentração, tanto para trabalhos acadêmicos (cursou historia na Unesp/Assis) quanto para trabalhos manuais. Sua freqüência nesses rituais varia, geralmente ia uma vez ao mês, quando o referido coordenador vinha à Assis, mas que ultimamente este não tem tido possibilidades mais de vir até a cidade, de modo que faz alguns meses que não participa de uma sessão. Disse não sentir muita falta, pois na hora certa as coisas aparecem, e nesse meio tempo quer aproveitar para digerir, segundo ele, o material absorvido na ultima sessão, em maio.

C C G, 22 anos, sexo feminino.
Fez uso da bebida algumas vezes nos últimos seis meses. Segundo ela uma vez apenas é o suficiente para sentir-se lavado espiritualmente.
Conta que algumas sessões foram muito importantes para ela aprender a lidar com certos sentimentos que estavam brotando, como, por exemplo, o ódio. Em seguida narra uma passagem de sua vida em que seu namorado rompeu a relação e logo em seguida ficou com outra menina, com quem ele namora até hoje. Conta que ela sofreu bastante, que por vezes pensou em se matar, mas que agora tem uma compreensão maior da situação. Acha que ele é sua alma-gêmea, e que um dia irão ficar juntos. Sente isso pelo fato de ter feito uma de suas primeiras sessões ao lado dele. Mas que agora entende que o mundo dá muitas voltas, e que eles passaram um determinado tempo juntos e talvez seja o momento do rapaz realmente se envolver com outras pessoas, assim como ela. O Daime, segundo ela, serviu para que ela trabalhasse muito a questão da posse dos corpos.
Entre outras mudanças perceptíveis, ela cita que começou a prestar mais atenção nos seus relacionamentos, desde com os seus pais, que moram em outra cidade, até com seus amigos de faculdade. Conta que em um mundo universitário relativamente pequeno, como Assis, os laços acabam sendo bastante estreitos e freqüentemente as pessoas falam das outras de forma pejorativa. Isso a magoava bastante, mas agora, segundo ela, há uma compreensão de que as pessoas fazem isso por serem carentes de ter algo melhor para se dizer.

F. E. A 27 anos, sexo masculino.
Tomou o chá de Santo Daime pela primeira vez há dois anos, no município de Assis, na primeira vez que o coordenador veio a cidade.
Conta que sentiu diversas mudanças, sobretudo com relação aos seus pais. Disse que durante os trabalhos com o Daime pensou bastante neles, e em como os amava e era feliz por eles ainda estarem vivos.
Contou que nunca teve uma relação satisfatória com os pais, que vivia sempre brigando e se escondendo, e que passada essa experiência inicial, muita coisa mudou.
Disse que o Daime faz um trabalho continuo no sujeito, independente de quantas vezes que se toma, o ponto que precisa ser trabalhado sempre reaparece.
Teve uma criação católica, abandonou a igreja aos 14 anos, e desde então perdeu o contato com Deus até, segundo ele, ter sido reestabelecido durante a experiência com a ayahuasca. Não quis se aprofundar em seu depoimento.

R. S.G. 29 anos, sexo masculino.
Esta entrevista foi realizada em São Paulo. RSG conta que chegou a um instituto onde ministravam o consumo da Ayahuasca por indicação de amigos. Que sempre ouvira falar do alucinógeno e estava atrás de realizar pesquisas empíricas com seus efeitos. Conta que já fez uso de outras substancias alucinógenas, como ecstasy, lsd e psilocibina, substancia psicoativa encontrada nos cogumelos do gênero stropharia cubensis, e que no começo achava que o Daime fosse desse nível, mas que depois viu que o seu “pega” era bem mais espiritual, que foi como se ele estivesse mais próximo de Deus.
Não freqüenta nenhum templo, nem tem o habito de rezar, segundo ele Deus tem coisas mais importantes para fazer do que se preocupar com “probleminhas mundanos” de seres humanos que não conseguem administrar suas vidas de modo satisfatório. Que antes duvidava da existência de Deus, mas que agora tem uma noção maior que há uma dimensão espiritual dentro de cada um.
Formado em Jornalismo pelas faculdades Casper Libero, nunca exerceu a profissão por muito tempo seguido, segundo ele seus empregos são esporádicos, geralmente ele fica uma ou duas semanas, quando muito um mês e se indispõe com o patrão. Fala que sua psicoterapeuta diagnostica isso como dificuldade de se relacionar com a autoridade. Em seguida descreve sua condição familiar: filho único, mora com a mãe. Não conheceu o pai. Atualmente está procurando emprego, segundo ele espera encontrar algo que alie o útil ao agradável, que lhe possa propiciar certa satisfação e ainda lhe possibilite ajudar em casa. Sua mãe é aposentada como funcionaria publica, mas pelo que entendi, ainda exerce a função, o que lhe garante uns rendimentos que permite sustenta-lo enquanto ele não encontra um emprego.
Cita algumas informações sobre o local onde consumiu a ayahuasca algumas vezes, segundo ele um templo fechado, decorado com cristais e ornamentos orientais, em área nobre da cidade. Disse que vão pessoas de todas as idades e relata uma vez em que tomou o alucinógeno e pode sentir coisas muito boas de uma mulher que tomou a bebida segurando seu filho no colo. Conta que isso despertou muitas coisas nele, que espera logo poder encontrar uma garota que o ame e ele a ela para que possa constituir uma família. Atribuiu esse tipo de pensamento a uma maturidade antes inexistente, cuja participação do chá de santo daime foi importante.

R. L. M. 26 anos, sexo masculino.
Reside no bairro da Cidade Ademar, periferia de São Paulo. Tomou contato com a substancia em um ritual conhecido como Céu de Maria, que segundo ele acontece na região do Pico do Jaraguá, e é ponto de encontro de Daimistas, chegando a reunir mais de trezentas pessoas em uma sessão.
O coordenador desse centro é o cartunista Glauco, da Folha de S. Paulo, Daimista de muitos anos. Disse não conhecer nenhuma outra seita, foi lá apenas uma vez e não se considera adepto a instituição. Mesmo não sendo adepto freqüente do chá de Santo Daime, julgamos esse relato de certa relevância para o projeto, devido às transformações relatadas por RLG em sua vida.
Ele conta que sempre foi um rapaz tímido, de poucos relacionamentos. Tem certa habilidade com computadores, entende de linguagem de programação e participa inclusive de um grupo musical surrealista chamado Satã Bárbara, segundo ele vinculado a um coletivo conhecido por LSDiscos.
Conta que todos seus amigos de banda já fizeram uso de algum tipo de alucinógeno, e ele nunca se interessou, até que um dia aceitou um convite de um dos adeptos ao Céu de Maria para conhecer a ayahuasca. Conta que se sentiu muito mal o tempo inteiro, que foi como se ele estivesse em um pesadelo do qual achasse que jamais acordaria. Tinha muito medo, pânico, de tudo e de todos, e o lugar só potencializou essas coisas ruins que vieram. Segundo ele, havia muita gente, umas vomitando de um lado, outras gritando e dançando na mata, mais de centena de pessoas em um sábado. Os sentimentos despertados nele foram os mais diversos, revela que se sentia muito preocupado em voltar para casa, pois já era de madrugada e ele não tinha carona, haveria de esperar o dia amanhecer para se locomover até sua área, no outro extremo da cidade. Fala que o terror foi agravado quando se perdeu por alguns instantes do seu amigo, que se viu totalmente só e caiu em desespero, e que algumas pessoas tentaram acalma-lo, segundo ele havia umas vozes dizendo para ele ter paciência que o trabalho era assim, que ele tinha muita coisa guardada dentro de si que estava sendo trabalhada, por isso aquelas coisas estavam acontecendo, mas que mesmo assim não conseguia se acalmar de jeito algum. Conta que pensou bastante em seus pais, em sua irmã falecida aos seis meses de idade, e que sentiu coisas que nunca mais quer sentir. Ainda relata que só pode se sentir “normal” uns três dias depois, e que nunca mais quer ter nenhum contato com esse tipo de coisa.
Perguntado sobre as possíveis relações que a experiência pode ter tido em sua vida espiritual, R L G afirmou categoricamente que “não há vida espiritual, apenas um mar de paranóias dentro da gente”.




5. Discussão

Considerando o confronto entre levantamento teórico apresentado na introdução e alguns dados colhidos durante as entrevistas e observações, podemos inferir:
Com relação à subjetividade na pós-modernidade, fatos como o levantado por Ernesto Sampaio, ao dizer que o pós-modernismo trivializa seus produtos, usa a imagem como via de conciliação e renuncia à abstração como forma de reconhecimento, ganham correspondência com a forma simplificada de apresentação do evangelho por algumas pentecostais. O depoimento de Z.N.F., 82 anos, adepta aos carismáticos, cita a homilia como forma de “tradução”do evangelho, bem como os recursos simbólicos utilizados pelos pastores da Universal, como correntes de papel alumínio e porta de isopor simbolizando a vitória de Davi sobre as portas de ferro e as correntes de bronze que o separava de Deus.
O próprio avanço das religiões por meios midiáticos tendem a endossar tal posição. O depoimento da adepta ao movimento da renovação carismática C.C.N.A, 57 anos, traz algo que ilustra a ressonância da importância dos meios midiáticos quando ela cita que costumava assistir programas da tv canção nova. Seu marido A M A, 62 anos, também faz menção a esse respeito. Na rede Bandeirantes de televisão, a Igreja Universal do Reino de Deus, mesmo já sendo detentora da Rede Record, comprou alguns horários da programação da retransmissora da região de Assis e Presidente Prudente. Chamadas são vinculadas em outros programas, anunciando “Terapia Espiritual”, um pacote que envolve resolver problemas do passado, afetivos, etc.
A divisão da sociedade contemporânea proposta por Lipovetsky comentada na introdução deste relatório, entre um excesso do cuidar de si e a cultura do excesso também encontra correspondentes em algumas entrevistas. Poderíamos citar vários casos, em que o interesse pela cura dos adeptos está em cuidar de si: religião com fins de melhorar vida amorosa (B. V. H., 17 anos, pentecostal, está fazendo a terapia do amor para tentar encontrar sua “garota ideal”), questões relacionadas a trabalho, (G.V.S.C., 44 anos, umbandista, atribuiu seu emprego fixo a alguns trabalhos realizados, bem como seu marido F. A C, 49 anos, traz essas demanda) entre outras.
As poucas preocupações coletivas surgidas vieram de adeptos da ayahuasca; parece haver uma função metafísica mais aprofundada. J. P. G, uruguaio, 28 anos, faz menções a respeito, com suas explanações filosóficas sobre o big bang. Mas não trata-se de unanimidade entre os ayahuasqueiros entrevistados. Vem de acordo com o descrito por Lasch ao referir-se à mudança do paradigma após as ebulições políticas dos anos 60, onde desesperançados de incrementar suas vidas com o que interessa, surgiram preocupações puramente pessoais, resultando na dilatação da importância do viver para si em busca do aprimoramento – corporal, espiritual, psíquico.
É esse viver para si, efeito colateral da cultura do narcisismo, responsável pela ruptura do sentido histórico. Só o presente interessa; abriu-se uma fenda entre o passado cada vez mais distante e o futuro cada vez mais incerto. Na busca do indivíduo pelas práticas religiosas essa ruptura se faz sentida, principalmente entre os pentecostais e os católicos carismáticos – não há referências aos ancestrais presentes nas religiões orientais ou cultos indígenas. A única das religiões pesquisadas que parecem acenar nesse sentido é o Santo Daime, em se tratando de uma “herança” ainda que distorcida de ritos indígenas onde o vínculo com os antepassados é valorizado, bem como a Umbanda, que da mesma forma é herança distorcida do Candomblé africano.
Pode contribuir para isso o fato dessas matrizes terem ficado relativamente menos afetadas a “radiação” do capitalismo pós-moderno. A própria relação simbólica dos adeptos com a morte parece influenciar nisso[55], uma vez que ambos trabalham com a interferência de espíritos e forças do além presentes em seus rituais, enquanto que as religiões derivadas do modelo judaico-cristão não admitem a interferência de ancestrais nesse plano, isolando-os em um espaço/tempo paralelo e sem ligação com a Terra, representado pelo ideal de “céu”.
Abordamos na introdução a cultura do espetáculo de Debord, como ramificação da cultura do narcisismo de Lasch. A transformação dos cultos em espetáculos atesta essa proximidade: entre os carismáticos tem sido cada vez mais freqüentes as caravanas ao templo do terço bizantino, coordenado pelo Padre Marcelo. Seriam essas romarias tão consideráveis quanto as romarias ao santuário de Aparecida, na Basílica Nacional em cidade homônima?
E quanto a figura do Padre Marcelo, verdadeiro ícone pop entre os católicos, detentor de programas de rádio, atuando no ramo cinematográfico com duas películas em um ano (uma sobre Maria, mãe de Jesus e outra sobre o apóstolo Paulo) por si representa o ideal da cultura do espetáculo; matéria publicada na Folha de São Paulo[56] citava o aumento da procura por seminários entre jovens por conta da influencia do Padre Marcelo, segundo muitos entrevistados.
Do lado dos pentecostais, temos a formação de uma roda semelhante às rodas de hip hop da periferia, onde os obreiros pretendentes a pastores tinham a possibilidade de, dentro de um culto de cerca de duas horas, ter seus cinco minutos de êxito com a divulgação de suas orações, cada um dos quais procurando faze-lo de modo particular, um andando de um lado para o outro, como forma de chamar atenção, outro parado; etc.
Da mesma forma não podemos deixar de mencionar o status detido por um pai-de-santo no terreiro e na comunidade, ou no caso da observação ao ritual dos daimistas, o status gozado pelo condutor da sessão. Especula-se o quanto a cultura do espetáculo desperta o desejo pelas pessoas de ter seus cinco minutos de fama descritos por Andy Warhol e as instituições religiosas possam estar funcionando como área para dar vazão a este desejo em uma sociedade competitiva que deturpou os antigos valores de glória e fama.
Cabe então uma breve diferenciação entre o conceito de fama e glória; consta-se que quando um guerreiro (grego, romano, ou de qualquer outra civilização) retornava ao seu povo era ovacionado em retribuição aos seus feitos ao coletivo: era a glória. Já a fama não está vinculada necessariamente a um feito relevante; a simples exposição nos meios de comunicação já permite o cultivo do status de celebridade, muitas vezes independente do trabalho que a pessoa realiza. Os méritos passam para segundo plano.
A busca da fama vem de encontro com o anunciado por Lasch, quando cita que a cultura do narcisismo traz implicações como o medo que o sujeito contemporâneo tem de viver sem tornar as outras pessoas cônscias de sua existência.
Abordamos a visão de Birman em sua leitura ao fracasso da adaptação do individuo na cultura do narcisismo, em que este defende que quando o sujeito está deprimido e em pânico, não é mais possível viver o fascínio de estetização da existência, fazendo com que o sujeito busque uma outra forma de gozar – já segundo os argumentos de Melman – que pode estar na delinqüência, ou na toxicomania, ou seja, vale-se de “artefatos tecnológicos” por intermédio de soluções bioquímicas ou psicofármacos.
Algumas religiões tem procurado funcionar como “pílulas”de conforto e paz espiritual, de modo a operar milagres para atender a demanda da procura desesperada do sujeito por um norte em tempos sombrios.
Isso vem de encontro com muitos enunciados de Freud, como quando cita que a auto-estima do homem, seriamente ameaçada pelas adversidades da natureza – talvez nos dias atuais a ameaça das forças naturais a que Freud se referia pode ser acrescido do mal-estar pós-moderno -, exige consolação.
O ato de entregar-se a um grupo pode ter efeitos semelhantes aos do uso dos psicofarmacos, e vem contribuir para fazer das religiões uma oferta interessante, afinal é uma oportunidade de entregar-se a uma multidão, fazendo com que, como descreveu Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu, os indivíduos sintam uma voluptuosa sensação de perder as delimitações de sua individualidade, além da dissolução parcial do superego, transferida na figura do líder.
G.M.D., 36 anos, sexo feminino, funcionária de uma padaria, frisa a empatia sentida pelo pastor da igreja que freqüenta. É um exemplo da importância que a figura do líder exerce na subjetividade do adepto. De fato, em todas as religiões demarcadas, a figura do líder carismático sempre aparece, quer seja na mãe de santo do terreiro de Umbanda no bairro do Marengo, ou com os padres do grupo de renovação carismática – o maior expoente, nesse caso, seria o padre Marcelo -, os pastores das pentecostais e também o coordenador das sessões de ayahuasca.
Pierre Lévy em seu estudo antropológico cita que para o xamanismo funcionar nas tribos era necessário que: a) o sujeito acreditasse na força sobrenatural do xamã; b) o xamã acreditasse em seu trabalho.
Entramos naquilo que Lindholm aborda como uma particular inclinação para a submissão a um líder carismático, uma vez que os indivíduos em questão terão tendência a procurar outros com que possam se identificar – ou projetar-lhe seus idéias da figura paterna, num aspecto mais psicanalítico – a fim de experimentar “uma poderosa sensação de perda do eu”, que vem a somar-se com outras modalidades de perda do eu, como através fascínio das massas descrito por Freud ou o uso de drogas, de acordo com Melman..
No caso dos daimistas, essa correlação ganha múltiplas faces, uma vez que além de ser característico das sessões as diversas características acima mencionadas – identificação com a figura do líder, formação de um grupo ou massa, etc – ocorre o efeito da própria ingestão da bebida, que pode ser caracterizada como uma forma de perda dos limites do eu por se tratar de um alucinógeno de proporções consideráveis.
Entretanto, ao observar o relato dos entrevistados que fazem o uso do Santo Daime não notamos elementos presentes no discurso dos toxicômanos, em todas as conversas não é mencionada qualquer tipo de dependência explicita ou implicitamente. Há um interesse maior pelos usuários de drogas ilícitas – alucinógenas ou estimulantes – na ayahuasca, talvez pela curiosidade de conhecer os efeitos de mais uma substância, mas, em linhas gerais podemos diferenciar essa modalidade de consumo como uma compulsão pela autodestruição presente na busca de uma outra forma de gozar, como descreveu Melman. O relato de R.L.M., 26 anos, sexo masculino, em que seu contato com a ayahuasca foi descrito como terrível, próximo ao pesadelo, pode ser visto mais sob a ótica do desencadeamento de um princípio de surto psicótico, ao que parece, comum entre usuários de alucinógenos fortes, e descrito como bad trip.[57]
O uso concomitante de drogas entre os adeptos das religiões parece comum a todas delimitadas; Z.N.F., 82 anos, sexo feminino, adepta aos carismáticos, disse fazer uso de Lexotan; na Umbanda é comum o transe auxiliado pelo consumo de tabaco, álcool, e em alguns terreiros há notícia do consumo de Cannabis.
G.M.D, 36 anos, sexo feminino, aderida à pentecostal, conta que chegou a procurar tratamento psicoterápico, não encontrando resultados satisfatórios.
A própria experiência como estagiário de psicologia em locais de atendimento público de saúde mental – como o CAPS/Assis – permite ver que entre os psicóticos a questão da religiosidade é bastante exposta: muitos dos usuários freqüentadores são evangélicos, há também católicos, etc. No caso do espiritismo e da Umbanda, essas religiões parecem não ser compatíveis com os modelos de tratamento dos psicóticos; especula-se que a fronteira tênue entre o contato com entidades e os delírios e alucinações causados por vozes que falam-lhes misteriosamente seja um obstáculo para tal afinidade.
Esta discussão é parte importante na tese de doutorado de Costa-Rosa, uma vez que é diretamente associada à oferta de tratamentos das igrejas às demandas do mal estar contemporâneo com a ineficiência dos tratamentos oferecidos pelo sistema público de saúde. De fato, como já expomos no último relatório, na cidade de Assis as modalidades possíveis de tratamento para os psicóticos são: realização de oficinas terapêuticas, medicação ou psicoterapias – tem-se estabelecido na teoria psicanalítica a incompatibilidade do processo psicoterapêutico com pacientes psicóticos, o que já reduz em muito a oferta dessa ultima modalidade. Quanto aos definidos como “neuróticos”, o serviço publico de saúde oferece: consultas psiquiátricas e sua quase sempre consecutiva medicação e sessões de psicoterapia em períodos de 30 minutos. Outra alternativa de oferta de tratamento psicoterápico e o Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada, na Unesp. Já nas regiões periféricas de São Paulo, onde foram realizadas boa parte das entrevistas, essa oferta praticamente inexiste, ou é superlotada.
Citando Costa-Rosa: “A relação entre a quantidade de pacientes atendidos exclusivamente com administração medicamentosa chega a ser muitas vezes maior do que a quantidade de pacientes que usufruem das formas de atendimento psicossocial. Além disso, muitos dos casos têm na medicação, apesar de adequada, apenas um dos procedimentos que foram propostos como parte da conduta terapêutica. Esta conduta fica sendo, praticamente, a única, porque muitas vezes a psicoterapia demora vários meses, e em alguns casos, até anos, e outras vezes é apenas uma indicação de praxe que, já se sabe, não poderá ser atendida por falta de recursos”.
Outro ponto a ser debatido é quanto a natureza sócio-econômica dos entrevistados. Dado condições das áreas de campo eleitas para as entrevistas, onde foram privilegiados locais periféricos nos grandes centros urbanos, caso do Parque Marengo, em Itaquaquecetuba, grande São Paulo, e em bairros relativamente periféricos do Município de Assis (comunidades católicas da Vila Glória/Vila Progresso, etc), pode-se equivocadamente vir a supor que tais demandas são maiores em pessoas de classes sociais mais baixas. De fato as pessoas que habitam essas regiões trazem, aliadas as interpéries do mal-estar pós-moderno, outras demandas, como falta de lazer – a igreja funcionando como centro comunitário – e todas as outras mazelas que as classes menos favorecidas enfrentam: dificuldades de empregos (há casos entre os entrevistados umbandistas como o de GVSC, 44 anos, sexo feminino, que agradece por um emprego fixo como empregada doméstica, diferente da instabilidade do serviço de diarista, o qual exercia antigamente; ou do jovem B. V. H., 17 anos, aderido a Universal do Reino de Deus, que trabalha como Office boy por conta da indicação de um irmão do pastor), violência ( o cabeleireiro JBS, 39 anos, cita a proteção dos orixás no episódio de um assalto ao seu salão; F.AC, 49 anos faz menção ao assassinato de um filho do dono de um bar próximo a sua casa, assassinado após ter saído da Febem por motivos aparentemente de pendências com drogas, etc.) entre outros.
Entretanto não podemos ser ingênuos em afirmar que estes problemas sociais são peculiaridades exclusivas das classes menos favorecidas e das regiões periféricas dos grandes centros; Hiroito Moraes foi chefe da chamada boca do lixo em São Paulo nos anos 60 e relatou suas experiências em um livro “A Boca do Lixo” [58]. Ele encerra sua obra dizendo que quando começou sua vida no “crime”, a boca do lixo era formada pelos quarteirões adjacentes a Av. S. João, Rua Aurora, etc. E que atualmente ela ocupa um numero X[59] de milhares quilômetros quadrados: exatamente a área da grande São Paulo. Ou seja, esse exemplo é para ilustrar o quanto problemas com violência e questões sociais são comuns a toda população, ainda que com diferentes variações, não só numa cidade quanto em todos centros urbanos.
Nem podemos imaginar que entre as classes mais favorecidas a existência do chamado mal-estar pós-moderno não seja motivo suficiente para demandar a procura de cura através das religiões. De modo que nenhuma modalidade religiosa em questão é composta por uma camada homogênea sócio-culturalmente, nem mesmo a Umbanda, que de acordo com o estudo de Montes apresentado neste projeto, foi por muitos anos estigmatizada como religião de pobres e/ou negros. ( no outro relatório tivemos o depoimento de um comerciante que foi se consultar quanto a venda de seu armazém, junto ao pai de santo; outro exemplo está no depoimento de C. N. F., 21 anos, adepto a um centro em Assis, que relata ser bastante comum o aparecimento de pessoas das mais diversas classes, como candidatos a vereador, etc.).
Com exceção maior no caso dos Daimistas, ao menos nas instituições trabalhadas nesses dois anos de pesquisa, cujo perfil sócio-econômico aponta na direção de jovens (exceto J.A A S, 56 anos, professor de história entrevistado no ano anterior da pesquisa), geralmente de classe média com de escolaridade superior. Podemos apontar como possíveis fatores dessa relativa homogeneidade dos daimistas a existência de poucas sedes para consumo da bebida, sua localização privilegiada nos grandes centros ou em locais distantes de conceentrações urbanas periféricas, e em alguns casos, o preço da contribuição financeira pago pela bebida – apesar de valores muito maiores que vinte e cinco reais serem constantemente investidos pelos fiéis tanto nos centros de Umbanda, quanto no grupo dos Carismáticos, e com os Pentecostais Renovados, conforme citado na observação feita em um templo da Universal do Reino de Deus.
Sobre esse último aspecto, vale levantar nesta discussão a modalidade de loteria envolvida nessa prática, ou seja, a vinculação de uma espécie de jogatina (com analogias aos bingos e cassinos), por parte dos fiéis, em especial aqueles que Costa-Rosa definiu como viciados em misticismo.

6. Conclusões.

Com base no desenrolar dos referencias teóricos, aliado às observações e entrevistas realizadas, podemos concluir que:
a) as ofertas de tratamento para o referido mal-estar pós-moderno pelo sistema público de saúde são insuficientes e de certa forma paliativas, uma vez que os sentimentos de inadequação a cultura do narcisismo não poderão ser eliminados enquanto a produção subjetiva do referido mal-estar for mantida, pelo status quo do capitalismo e as suas implicações neo-liberais contemporâneas.
b) dada fragmentação do sentido de continuidade história, além das outras peculiaridades citadas ao longo do relatório, as procuras de prática de cura são motivadas por interesses individuais dos sujeitos; é cada vez menor a busca de transcendência espiritual ou contato com os ancestrais. São os efeitos do agrupamento contemporâneo de pessoas, não mais em redes sociais, mas em ilhas conectadas com o mundo por elementos cada vez mais simbólicos e menos próximos de uma leitura real das estruturas vigentes; cada vez mais alienantes.
c) o avanço da evangelização pelos meios midiáticos – jornais, televisão, rádio, etc – parece não somente visar a expansão dos respectivos “impérios religiosos”e sua disputa pelo mercado dos bens de salvação, como sinaliza uma alteração na linguagem da fé, com uma forma cada vez mais superficial de contato com conteúdos abstratos por parte dos adeptos, que preferem digerir mensagens em “pílulas” midiáticas a refletir sobre seus conteúdos. Em contrapartida as religiões que não se adaptaram a essa forma de comunicação, caso da umbanda, podem estar condenadas a ter seu numero de adeptos cada vez mais reduzido.
d) faz-se necessário debruçar-se seriamente ao estudo mais detalhado dos efeitos dos alucinógenos na sociedade contemporânea e suas possíveis relações com transformações subjetivas e sociais.
e) sobre a hipótese central, parece haver realmente uma derivação da cultura do narcisismo em cultura do misticismo, conforme proposto por Costa-Rosa, e a demanda pelas práticas de cura oferecida pelas instituições místico-religiosas ser mesmo uma resposta ao sintoma social dominante.
















7. Anexos
O ESTADO DE S. PAULO, PAGINA A 12, QUARTA FEIRA, 31 DE MARÇO DE 2004.

RELIGIÃO

Crescem ataques de evangélicos aos cultos afros
Na Bahia, 6 pessoas foram denunciadas à Justiça, mas há caso em vários estados, entre eles São Paulo

MARCOS DE MOURA E SOUZA e BIAGGIO TALENTO

Guerras religiosas nunca tiveram força no Brasil. Mas, no ano passado, quando o babalorixá Francelino de Shapanan se viu cercado por um grupo de evangélicos que teria ido ao centro de candomblé que ele dirige, em Diadema, Grande São Paulo, com a intenção de promover uma invasão, sentiu de perto uma tensão que cresce no país. De um lado evangélicos – principalmente fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. Do outro, adeptos de religiões de origem africana.
“Eles estão invadindo terreiros e hostilizando pessoas que portam algum tipo de insígnia”, reclama Shapanan “O nosso povo sempre foi pacífico, mas pode de repente começar a reagir.”
O antropólogo José Jorge de Carvalho, coordenador de um grupo de pesquisas ligado ao governo federal que estuda movimentos religiosos, afirma que casos como esses têm se intensificado. E provocado situações inéditas.
“No ano passado, por exemplo, fui a um terreiro em São Luís (MA) que estava todo cercado de grades”, diz. “Os evangélicos já tinham invadido uma vez e as sessões estavam acontecendo com os portões fechados.”
Segundo ele, casos semelhantes já aconteceram no Rio, na Bahia, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e em São Paulo. No início do mês, a Justiça baiana condenou a Universal a pagar uma indenização de R$ 1,3 milhão à família da ialorixá Gildásia dos Santos, Mãe Gilda (por ofensas no jornal Folha Universal). Só em Salvador, o Ministério Pùblico já denunciou sete pessoas por intolerância religiosa nos últimos anos, seis evangélicos e um padre católico, todos por ataques ao culto afro. Se condenados, os acusados podem pegar de dois a cinco anos de prisão.
Segundo o Censo de 2000, 15,4% da população declarava-se evangélica e apenas O,3% da umbanda e candomblé. A Universal diz ter, sozinha, 2 milhões de fiéis.
Carvalho conta que as investigações das evangélicas não se limitam as invasões – ou a tentativas. Outra atitude comum é, diz ele, colocar carros de som em frente dos terreiros com pregação a todo volume. “O que está em jogo aqui é a intolerância religiosa”. Canais de TV evangélicos também são acusados de promover uma visão preconceituosa e estigmatizada.
“A Universal, sobretudo, atribui todas as más ações a um demônio muito concreto, um demônio africanizado, retirado dos terreiros”, critica o professor de sociologia e especialista em religiões afro-brasileiras Reginaldo Prandi.
O senador e pastor da Universal Marcelo Crivella (PI-RJ) vê a polêmica por outro ângulo. “Todo o seguidor da umbanda e do candomblé tem o direito de trilhar seu caminho. Mas também é um direito meu aconselhar gentilmente essas pessoas”, diz ele. “Ninguém pode concordar que os ritos de terreiros, onde as pessoas bebem cachaça, entram em transe, caem no chão, seja algo digno. Que pai gostaria de ver ser filho numa situação dessas? Eu respeito as crenças aforas, mas isso é uma coisa medieval”.
Crivella diz que as iniciativas de invadir terreiros não fazem parte de uma política da igreja, mas de pastores “despreparados” que já agiram assim. Ainda segundo o senador, mais de 50% dos fiéis da Universal um dia já estiveram em cultos afros.

OBS – A MATÉRIA TRAZ AINDA FOTO DE VÁRIAS MÃES DE SANTO VESTIDAS A CARÁTER COM UMA FAIXA EM MÃOS ESCRITA “BASTA, DIGA NÃO A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA” E TRAZ LEGENDA ESCRITA: Protesto na Bahia: ato foi em memória de Mãe Gilda, que morreu após ser ofendida por jornal evangélico.












8. Bibliografia e Referências Bibliográficas:

BIOY-CASARES, Adolfo: A Ilha Fantástica, Circulo do Livro, São Paulo, 1977

BURGER, Peter – Vanguarda – Lisboa, editora Lisboa, 2000.

COSTA, J. F. – Narcisismo em Tempos Sombrios, in, BIRMAN, J. ET AL, Percursos na Psicanálise, Rio de Janeiro, Taurus Editora, 1988

COSTA-ROSA, A .- Subjetividade e Modalidades da Constituição Subjetiva, Boletim de Novidades Pulsional, 1997.

___________________ – Práticas de Cura nas Religiões e Tratamento Psíquico em Saúde Coletiva, São Paulo, 1995 (Tese de doutorado) – USP, 1992.

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[1] BURGER, Peter. Vanguarda – Lisboa, editora Lisboa, 2000, p. 8 e 9.
[2] LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Trad. Miguel Serras Pereira e Ana Luisa Faria. Lisboa, Relógio d’Agua Editores, 1989.
[3] Fonte: Caderno “Mais!” Folha de S. Paulo, 27 de março de 2004.
[4] LIPOVETSKY, op. cit. p 138.
[5] Segundo citação apresentada no referido caderno “Mais!”
[6] BIRMAN, Joel. Estilo e Modernidade em Psicanálise – São Paulo, Editora 34, 1997.
[7] Em COSTA-ROSA, A Prática de Cura nas Religiões e Tratamento Psíquico em Saúde Coletiva – Tese de Dotourado, USP, 1995, citando LASCH, Christopher. A cultura do Narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Trad. Ernani Pavaneli, Rio de Janeiro, Imago, 1983, p.28.
[8] LASCH, Christopher. A cultura do Narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Trad. Ernani Pavaneli, Rio de Janeiro, Imago, 1983, p. 18 - 19
[9] LASCH, Christopher, op. cit, p. 24.
[10] GUATARRI, Felix. Caosmose, Um Novo Paradigma Estético, São Paulo, Editora 34, 1992. p. 32 – 33.
[11] Debord, G. La Societé du spectacle, Paris, Gallimard, 1967
[12] BIRMAN, Joel. Op. Cit. p 213
[13] GUATARRI, Felix. Op. Cit. p. 112.
[14] SODRÉ, Muniz Televisão e Psicanálise, Editora Ática (Série Princípios), São Paulo, 2000.
[15] In MUNIZ SODRÉ, Op. cit, p. 27.
[16] FOUCAULT, Michel “A Verdade e as Formas Jurídicas”, São Paulo, Editora Nau, 1998.
[17] Encontramos na literatura um relato interessante sobre os simulacros, feito por Bioy Casares, em “La invencion de dr. Moreau”. Nessa obra há uma ilha projetada por um cientista onde várias pessoas tem sua existência simulada pelos simulacros. No Brasil, encontra―se a edição também sob o título de “A Ilha Fantástica” (Bioy Casares, Adolfo: “A Ilha Fantástica”, Circulo do Livro, São Paulo, 1977)
[18] LASCH, C. Op. cit. p. 13.
[19] Referência a outro livro de Lasch, O Mínimo Eu, São Paulo, Brasiliense, 1986
[20] FONTENELLE, Isleide Arruda O nome da Marca – Mc Donald’s, fetichismo cultural e cultura descartável. São Paulo, Boitempo Editorial, 2002.
[21] FONTENELLE, Isleide. Op. Cit. P. 269.
[22] Lindholm, C. Carisma – Êxtase e Perda de Identidade na Veneração ao Líder, São Paulo, J. Zahar, 1992. p. 75.
[23] Lindholm referia-se nesse trecho ao que foi sendo descoberto por pesquisadores sobre a importância dos sintomas do narcisismo, em referência a obra de Freud.
[24] COSTA-ROSA, A . Op. Cit. p. 25.
[25] MELMAN, C. Alcoolismo, Delinquência e Toxicômania, São Paulo, Escuta, 1992. p. 66.
[26] MELMAN, C. Op cit p. 94.
[27] MELMAN, C. Op cit., p. 119.
[28] FONTENELLE, I. Op cit. p. 259 - 260
[29] MUÑIZ SODRE, Op cit., p. 62 e 69.
[30] BIRMAN, J. Op. cit., p. 169.
[31] FREUD, S. Psicologia de las Massas y Analisis del Yo, - Obras Completas, Tomo III, Ensayo CXII, Biblioteca Nueva, Madrid, Tercera Edición.
[32] (FREUD, S. 1921, p. 2572).
[33] Idem, 1921, p. 2581.
[34] Idem, 1921, p 2609.
[35] FREUD, S. O Futuro de Uma Ilusão – Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu, Rio de Janeiro, Imago,
[36] Idem, 1927, p. 14 (Observação: nessas referências bibliográficas que indicam citações de O Futuro de Uma Ilusão, valemo-nos da edição de 2001 da editora Imago, trad. De José Octávio de Aguiar Abreu. Contudo adotamos como ano de referência o ano da publicação primeira da referida obra de Freud, com fim de identificação da fonte).
[37] Idem, 1927 p. 22
[38] Idem, 1927, p. 22.
[39] Idem, 1927 p. 28.
[40] Idem, 1927 p. 30.
[41] Freud, S. O Mal Estar na Civilização, Rio de Janeiro, Imago. 1929 [1930]. Recorremos também à edição em espanhol, EL MAL ESTAR EN LA CULTURA, Obras Completas, Tomo III Ensaio CLVIII, Madrid.
[42] Freud formula a seguinte propoisção para a gênese do tal sentimento de culpa: quando um impulso libidinal sofre a repressão, seus elementos libidinais se convertem em sintomas; e seus componentes agressivos em sentimento de culpa.
[43] Freud, S. Totem Y Tabu, Cap. IV, p. 1840.
11. A comparação com os indivíduos que procuram psicoterapias foi feita mediante aos resultados da análise de Costa-Rosa em sua tese de doutorado, segundo orientação do mesmo.
[45] Fonte: divulgação em matéria na Folha de S. Paulo, 15.9.2003.
[46] Op. Cit, 1995.
[47] Conforme matéria publicada no Estado de São Paulo, 31 de março de 2004, caderno cidades. Segue o texto original transcrito no capítulo destinado aos anexos.
[48] LODY, Raul Candomblé ― Religião e Resistência Cultural ― Editora Ática, 1987, São Paulo, série princípios.
[49] Osho é o nome de um “mestre oriental” que doutrinava as pessoas na Índia pela meditação e exercícios de respiração. Publicou vários livros, como “Relacionamento, Amor e Amizade”, entre outros.
[50] Ao contrário das anteriores, essa entrevista foi realizada no município de Assis.
[51] Entrevista realizada em Assis.
[52] Menciona alguns detalhes com relação ao critério de seleção que merecem considerações: segundo ela, após a realização do curso de teologia, que dura três anos, há de se fazer uma prova e uma entrevista para obtenção de uma credencial. Em posse dessa referida credencial, a pessoa ainda espera a nomeação do pastor da igreja em que freqüenta, e caso ela ocorra num período de quatro anos, poderá ser nomeada primeiramente como obreira em tempo integral – o que já lhe permite receber alguns honorários, e só depois dessa etapa é que vem a nomeação como pastora, propriamente dita. Caso a nomeação à obreira não venha em um período de quatro anos, a pessoa necessitará passar novamente pelo mesmo processo de avaliação, para manutenção da sua credencial.
[53] Entrevista realizada em Guaçui/ES.
[54] Rede de televisão mantido pelo movimento de renovação carismática. No relatório final do primeiro ano da pesquisa, quando foram apresentados os principais tópicos das conversas com os sujeitos, pode-se observar o relato de uma senhora que em Assis chefiou o movimento de instalação da antena de retransmissão dessa rede, ficando ela responsável por angariar os fundos necessários.
[55] O daimista J. P. G., 28 anos, fala da morte como se fosse o momento em que alcançaremos a plenitude universal. Entre os Umbandistas podemos citar o exemplo descrito por vários entrevistados de “receber o santo”, ou entidade atemporal.
[56] Não foi possível precisar a data da edição da referida matéria
[57] Vide obra “Alucinações Reais”de Terence McKenna, ou “A erva do diabo” de Carlos Castañeda, ou ainda o clássico “As portas da percepção”, de Aldous Huxley.
[58] Não foi possível localizar maiores detalhes dessa referência bibliográfica, como ano de publicação e editora, de modo que ela não consta na bibliografia deste relatório.
[59] Como nos falta a referida obra, não podemos precisar o algarismo citado por Hiroito Moraes

1 Comments:

Blogger Eliel Martins said...

Cara, tentei ler mas não deu, é grande demais.

Abs,

September 22, 2005 at 11:51 AM  

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